Já
não acreditava mais em amor, nem queria saber dessas donas melosas com
trocas de carícias e promessas jamais cumpridas. Queria encher o copo
todo fim de tarde e não ter para quem dar satisfação; guardava uma grana
para queimar em gasolina com sua moto e outro tanto para se beneficiar
das paixões das moças da casa da Dona Zu. Até que um dia, naquele mesmo
bar de esquina, viu entrar Maria do Perpétuo Socorro, uma morena com
sinuosas curvas e uma leve brisa de abril no sorriso. Até mesmo as
cadeiras do bar ofereciam passagem para Socorro e os garçons pousavam a
bandeja para não deixar copos ao léu.
Era
um avião de brasilidade aquela Maria, movimento preciso de coxas a
embalar os sonhos de qualquer homem. Maria do Perpétuo Socorro sacudiu a
cabeça de Oscar naquele dia e botou tudo a perder, a desilusão do amor,
os trocados perdidos em quilometragem, todas as moças que o esperavam
aflitas na boate. Oscar se rendeu de pronto e já era dela.
Deixou
cair sua bolsa ao chão, abaixou o corpo com competência de ginasta, sem
dobrar joelhos nem nada, deixando as pernas de fora no fino traço da
combinação. Uma displicência elegante desfilava no corpo de Socorro.
Oscar palpitou desconcertado. Zé Bolacha gritou do caixa:
“Oh Socorrinho, nem vi você chegar.”
Maria
do Perpétuo Socorro e seu corpo de Baía de Guanabara alçaram ao balcão,
a bolsa na cadeirinha giratória, um voo debruçado selando um beijo na
boca do dono do boteco, sujeito pra lá de esquisito, com sotaque
acaipirado de paulista e um carão espalhado que lhe rendia o apelido de
Zé Bolacha.
“O
quê? Esse fenômeno da natureza tá de caso com Zé Bolacha?” Alardeava o
pensamento de Oscar. “Mas que se dane!” A fúria fez o rosto de Oscar
corar com violência.
“Ô cumpadi, dá aqui uma cachaça!”
“Venha cá, meu amigo Oscar, para conhecer minha noiva, Socorrinho.”
Era
só o que faltava para desilusão maior e amargor do velho Oscar,
aproximar-se do balcão para brindar o amor dos pombinhos. Socorro
naquele decote pronunciado que engolia os olhos de Oscar sem dó nem
culpa. Os seios fartos subiam e desciam no respirar doce de fruta
madura. A pele acobreada, o pequeno escapulário no vale entre os dois
montes perfeitos.
“A senhora é católica?”, deslizou Oscar sua pergunta tentando justificar o interesse no decote da morena.
“Muito, rezo o terço todos os dias ajoelhada aos pés da cama.” Fazendo o sinal da cruz, respondeu a moça ao famigerado Oscar.
“Uma
mulher sem concorrência, amigo Oscar, minha Socorrinho é uma dádiva, um
presente de Nosso Senhor Jesus Cristo”; Zé Bolacha embalou no sinal
cristão ganhando a simpatia da noiva, mas o bigode de suor denunciava a
origem de sua crença. Socorrinho era a igreja na qual ele depositaria
suas orações e seus préstimos, e estava cristalina, feito água benta,
que a reza ao pé do altar conjugal de olho nos quadris da morena, não
seria nem de longe um problema para ele.
“O
Senhor é cristão?” – Maria do Socorro lambuzou Oscar com olhos inteiros
jabuticaba, enquanto tocava o braço dele. Oscar estremeceu, pensou em
armar uma mentira e até começar trabalhos voluntários na igreja daquela
santinha, mas respondeu com gana de arrebatar a menina na curiosidade:
“Tenho
a melhor formação pastoral, minha jovem, rezo as orações mais
poderosas, e exorcizo os piores acabrunhados demônios que já se teve
notícia existir sobre a face da terra, e isso somente usando a força do
meu caráter. Basta crer.”
Zé
Bolacha, um homem que sempre foi mais dado ao trabalho do que aos
prazeres da própria carne, perguntou com espanto sobre a declaração de
Oscar supondo que o amigo poderia ser homem capaz de abarcar a
ambiguidade de santo pecador. “Mas e as moças de Dona Zu, as noitadas,
as doses seguidas, são por causa de quê?” Oscar, com ar devocional para
fiel convencimento de sua vítima, disse ao Bolacha: “Mas é justamente
esse meu trabalho, amigo, tirar o pecado dos corpos das moças e ensinar
os melhores mandamentos. No mais, não é o que entra pela boca que mata,
você conhece o versículo, não?”
Socorro desandou três sinais da cruz beijando as mãos de Oscar, depois já convidou o salafrário:
“Este
homem é um santo, meu bem, sinto mesmo ao redor dele as trombetas dos
anjos. Vou levá-lo agora em casa para presenteá-lo com minhas compotas
de doce de abóbora.”
“Mas
além de dedicada cristã a moça é fina compoteira? Que dotes esses,
Bolacha! Não acredito que seja possível tal façanha nos dias atuais.”
“Pois
você está duvidando da qualidade de doceira de Socorrinho? Tem que
levar ele agorinha mesmo, minha linda, para provar das riquíssimas
compotas, distintas até na embalagem.”
“Sem
contar que apuro tudo muito bem apurado, mexendo com toda dedicação.”
Afirmou Socorro, imitando o gesto da colher de pau entre seus dedos.
Os
dois seguiram rumo à casa da moça enquanto Zé Bolacha continuava o
trabalho no bar, longe de fechar as portas. Já na esquina, Socorrinho
apanhou a mão de Oscar e disse:
“Tu não me enganas…”
Penélope Martins
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