quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Sá Carneiro III: "Feminina"



Feminina

Eu queria ser mulher pra me poder estender

Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés.

Eu queria ser mulher para poder estender

Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.



Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida

E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -

Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro

A falar de modas e a fazer «potins» - muito entretida.



Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios

E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -

Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,

Que num homem, francamente, não se podem desculpar.



Eu queria ser mulher para ter muitos amantes

E enganá-los a todos - mesmo ao predilecto -

Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,

Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes...



Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar...

Mário de Sá Carneiro

Nota in "Obra Poética de Mário de Sá Carneiro", Europa-América
"Cartas, II vol, ob. cit., carta de 16-2-1916. Antecendendo o poema, Sá Carneiro escrevia: "Agora porém o que estou é muito interessado na confecção de um poema irritantíssimo, Feminina - que comecei ontem à noite, quando me roubaram o chapéu de chuva".



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