Porque ontem já não consegui, deixo-vos esta manhã, em vez do 'a-ver-livros', a memória de Guilherme de Melo, que partiu este fim-de-semana.
"O jornalista e escritor Guilherme de Melo morreu hoje [ontem] aos 82 anos no hospital de São José, em Lisboa, onde estava internado há três semanas devido a um cancro, disse à agência Lusa o afilhado Guilherme de Sousa.
In memoriam: Guilherme de Melo |
Guilherme de Melo estava reformado "há mais de 10 anos" e "já não escrevia há muito tempo", adiantou Guilherme de Sousa."
in Agência Lusa
No "Diário de Notícias":
"Todos os que conviveram com ele não lhe esquecerão o profissionalismo exemplar, a coragem desassombrada, a imensa camaradagem, a capacidade de fazer amizades instantaneamente, a boa disposição permanente e aquele rasgado e malicioso sentido de humor que contaminava toda a gente. Durante duas décadas, a sua presença e as suas palavras enriqueceram a Redação, as páginas e os leitores do DN.
Autor de quase 20 livros de ficção e não--ficção, Guilherme de Melo dizia que a sua escrita literária tinha por escola a escrita jornalística e que era incapaz , em si, de dissociar o jornalista do escritor.
Entre as suas obras, destaca-se A Sombra dos Dias (1981), "uma autobiografia escrita na terceira pessoa", que ganhou o concurso do Círculo de Leitores para obras inéditas e na qual o autor assumia frontalmente a sua homossexualidade, ao mesmo tempo que tratava o tema de forma romanesca, facto praticamente inédito na literatura portuguesa."
Cruzei-me menos de meia dúzia de vezes com ele, é verdade. Mas a jornalista e escritora Alice Vieira foi sua camarada e amiga. É dela o depoimento que vos deixo aqui a terminar. Além dos factos, a emoção.
"Faz hoje exactamente 35 anos que me
casei [com Mário Castrim]. Nunca festejei a data porque foi apenas um assunto burocrático -- e
sempre festejei, isso sim!, o dia 21 de Maio, em que tinha ido viver, dez anos antes, com o
homem que escolhera. Mas pronto, havia os filhos, e lá casámos. Eu saí do
"Diário de Notícias ", o Mário saiu do "Diário de Lisboa" e
lá fomos ambos ao registo da Rua Barata Salgueiro. Se eu hoje recordo a data é por causa do Guilherme de Melo . Nessa manhã em que eu ia
casar, tinha na minha mesa de trabalho este poema que ele fez para mim:
" A NOIVA
Nem branca nem radiante:
igual a todos os dias
--nos olhos duas estrelas
no riso um sino em repique
no vestido que vestir
a mesma simplicidade
com que em cada dia estende
à vida, sem medo, a mão
(Só que no peito, invisível,
seja amanhã mais vermelha
a papoila que em si traz
no lugar do coração...)
Sem rendas, véus, caudatários,
terá nos filhos que a seguem
olhando-a num espanto fundo,
essa maravilha rara
de neles junto a si sentir
as crianças deste mundo."
Obrigada, amigo"
Os leões choram esta noite, Guilherme.
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Para quem não o conhecia, alguns links de descoberta:
- Uma entrevista, a propósito do lançamento de 'O Homem que Odiava a Chuva'
- O enquadramento com a realidade gay
- Uma entrevista, a propósito do lançamento de 'O Homem que Odiava a Chuva'
- O enquadramento com a realidade gay
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