quarta-feira, 10 de julho de 2013

Frases sublinhadas - in «Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres»

Era suposto estar a discutir convosco a leitura do mês de Junho... Mas a verdade é que me atrasei. Culpa do livro (que é um hino e, como tal, deve ser lido devagar) e de outras leituras (um homem não pode viver com uma leitura de cada vez).

Assim sendo, deixo-vos dois momentos que sublinhei. Servem só para abrir o apetite para o debate em torno de Clarice. Ah, já agora: vai valer a pena ler isto...

*~*

(...) É uma naturalidade morrer, transformar-se, transmutar-se. Nunca se inventou nada além de morrer. Como nunca se inventou um modo diferente de amor de corpo que, no entanto, é estranho e cego e  no entanto cada pessoa, sem saber da outra, reinventa a cópia. Morrer deve ser um gozo natural. Depois de morrer não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso.

(...) Pensou que há minutos lutava com o Deus, cansada, exausta, murmurou sem timbre de voz: não entendo nada. Era uma verdade tão indubitável que tanto seu corpo como sua alma vergaram-se ligeiramente e assim ela repousou um pouco. Naquele instante era apenas uma das mulheres do mundo, e não um eu, e integrava-se como para uma marcha eterna e sem objectivo de homens e mulheres em peregrinação para o Nada. O que era um Nada era exactamente o Tudo.
   Havia desmistificado uma das poucas grandezas de que vivia.
   Sabia que por enquanto doía muito e que depois ainda doeria mais pois sofreria a falta d'Aquele que, mesmo se não existisse, ela amava porque era uma célula dele. E talvez viesse a se salvar: porque a angústia era a incapacidade de enfim sentir a dor. Pensou: eu nunca tive a minha dor. Por falta de grandeza, sofrera suportavelmente tudo o que nela havia a sofrer. Mas agora sozinha, amando um Deus que não existia mais, talvez tocasse enfim na dor que era dela. Angústia também era o medo de sentir enfim a dor.

*Clarice Lispector, in Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Relógio D'Água. 

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