quinta-feira, 27 de junho de 2013

É do borogodó: a cataplana

Todas as paredes dissolvidas no caldo encorpado do amor (não há tijolos desastrosos de promessa). No silêncio, na casa vazia, plenos do que não fomos. Trancamo-nos na justa cataplana em sobreposições de barbatanas para fazer ferver.

foto de Fernando Fernandes
Deitei-me sobre ti, amor, deslizei as mãos sobre teu rosto; vinha ali tão dedicada a compreender as linhas da tua expressão: sulcos tensos, risos contidos, o brilho gelatinoso do olhar cego e os lábios finos estreitando a pergunta calada entre dentes. Beijei tua boca, amor, e beijei novamente (e novamente). Cavei um poço fundo para enterrar o futuro.

O palato cocegado pela ponta da língua.
Bem que eu te disse:
- Se o beijo é bom, imagine o resto. Se o beijo é bom, amor, não sobra nada.
Tuas mãos ardilosas afrouxaram botões e ganharam espaço. Braços estendidos, salto de escápulas.
- Deitada sobre teu ventre, faz-me visão convulsiva.
Parecida a uma ave de plumas alvas. Uma garsa de pernas longas, meias pretas, e com uns olhos azuis que parecem faiscar estrelinhas. Em Noite alta é só o que se vê: tuas penas brancas.
- Vou me deitar sobre ti e voaremos para bem distante.

Voo de espuma. O gosto do sal na pele parece doce. A cor desfalece nos lábios frouxos de ofegar. E a voz que murmura baixinho suplica:
- Mergulha ao fundo de mim, amor. Resgata-me da dúvida.
Bailam alvoroçadas pálpebras e quadris que serpenteiam. Não há bússola, nem mapa, mas a noite alta se ilumina de estrelas e as carícias medem distâncias a palmos. Os amantes não temem naufrágios.
- Tens-me da nuca ao umbigo. Tens-me da cintura ao tornozelo. Todo lugar onde possas se demorar.
Asfixiados no mar, amam-se na espuma, plumas, a cama cheia.
- Conheci tua verdadeira voz nos teus gemidos.

Penélope Martins

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