Palavras
Caras
O debate é antigo.
Deve o escritor
utilizar palavras consabidas ou revitalizar palavras menos conhecidas? Certo é
que grandes monstros literários habitam os dois paradigmas, tornando a discussão
permanentemente renovável.
Um dos metadiálogos literários sobre o tema pertence a Faulkner e a
Hemingway.
He [Ernest Hemingway] has never been known to use a word that might send a reader to the dictionary.
Poor Faulkner. Does he really think big emotions come from big words? He thinks I don't know the ten-dollar words. I know them all right. But there are older and simpler and better words, and those are the ones I use.
Um dos princípios do jornalismo é o de que entre dois sinónimos a opção do escrevente deverá recair no sinónimo mais comummente utilizado, de modo que o público seja o maior possível. Bem sei que literatura e jornalismo são coisas bem distintas, mas, feliz ou infelizmente, muitos jornalistas migram para a ficção transportando essa ideia.
É verdade que a leitura de um texto com palavras caras é menos fluida. Ou o leitor pura e simplesmente ignora tais palavras e não vai ao dicionário, deixando zonas brancas na compreensão do texto (a adivinhação pelo contexto é, regra geral, um embuste), ou pega no dicionário ante cada palavra que desconhece ou consulta-o depois de sublinhar um conjunto de palavras na obra. A quebra da fluidez pode afastar leitores, mas não deixa de ser um argumento vicioso – a fluidez do entendimento aumenta na proporção directa do estudo de textos em que tropeçamos mais vezes. Quanto mais lemos, quantas mais palavras caras consultamos nos dicionários, menos vezes temos de o fazer. Percebemos isto facilmente quando nos iniciamos no estudo de uma língua estrangeira. Era o próprio Lenine que afirmava que não era a arte que devia descer ao povo, mas o povo que devia ascender à arte.
Para Borges, uma
palavra cara num texto era como um borrão de tinta – qualquer coisa que
encadeava a vista e que nos fazia reparar mais na palavra do que na perspectiva
global da página, do capítulo ou da obra. Não duvido de que muitos autores,
mormente numa fase imatura da sua escrita, procuram despejar uma torrente de
palavras caras (muitas vezes encaixadas forçadamente) para exibir uma putativa
erudição. O narcisismo, a sensação de vaidade do conhecimento de algo
partilhado por muito poucos, o poder de mandar o leitor fazer uma leitura
intertextual (de que a ida ao dicionário é o exemplo mais corriqueiro) se
quiser compreender a sua obra podem ser móbeis de muitos escritores na senda de
Aquilino.
Mas convém lembrar que
vivemos tempos em que o léxico utilizado (na televisão, na imprensa, na
comunicação das novas tecnologias de informação, nos próprios livros) é cada
vez mais reduzido. George Steiner afirmou que «Shakespeare usava 24 mil
palavras. Num estudo muito recente, pela companhia telefónica americana Bell, o
total de palavras usadas por 90 por cento dos americanos ao telefone é de 150
palavras». James Joyce recorreu a
mais de 30 mil palavras em Ulisses.Vasco
Pulido Valente escreveu que quando se dedicou a ler a obra inteira de Camilo
verificou que muitas palavras não estavam em dicionário algum. Porquê? Porque
um dicionário é um registo, um espelho das palavras usadas pelos escreventes e
pelos falantes. Não utilizar determinadas palavras é aniquilá-las, é contribuir
para a sua expulsão da língua.
Aqui, entramos num
ponto essencial. Qual o problema de as palavras irem morrendo? Não é verdade
que umas entram e outras saem? Porque devemos a todo o custo tentar preservar
palavras que ninguém conhece? Porque quanto mais palavras temos cá dentro, mais
chaves de decifração do mundo e do humano possuímos. Não só isso. Mesmo quem
não defende a tese de que não há sinónimos perfeitos e de que portanto cada
palavra, pelo seu étimo, pela sua conotação, transporta um significado único;
mesmo quem não subscreve tal ideia concordará que o escritor munido de mais
palavras dispõe de mais instrumentos para trabalhar a plasticidade, a beleza e
a musicalidade da língua.
Um acrescento
importante. Não são apenas as palavras que morrem pela falta de uso.
Determinados significados associados às palavras morrem quando deixam de ser
empregados (quando consultamos um dicionário, percebemos que as palavras são
quase todas muito mais polissémicas do que julgamos). As almas mundas de Camões remetem-nos para um adjectivo extinto – mundo
enquanto oposto de imundo. É essa a preocupação expressa por Orwell no final de
1984, quando a novilíngua mantinha a
palavra «livre», mas já não aplicável a homens livres, permanecendo apenas para
frases como: «O cão está livre de pulgas.»
Termino com uma
confissão. Uma das coisas que mais me alimentam o espírito, provocando aquele
preenchimento interior que é a satisfação intelectual, é o de conhecer uma
palavra nova todos os dias. É o tipo de contentamento que não envelhece nem se
embota – uma delícia no corpo que não consigo transmitir em palavras.
Eis algumas. (Fonte: Houaiss.)
vulpino Datação: 1840-1871 cf. SilCas
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n adjetivo
1
relativo a ou próprio de raposa; raposino
Ex.:
2 (1881)Derivação: sentido
figurado.
hábil com ardis; ardiloso,
astuto, raposeiro, raposino, traiçoeiro
Ex.: vendedor v.
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talássico Datação: 1877 cf. MS7
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n adjetivo
1
relativo ao mar e às águas oceânicas profundas
2 Uso: formal.
da cor do mar
Ex.: azul t.
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pusilanimidade Datação: sXV cf. FichIVPM
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n substantivo
feminino
1
característica ou condição do que é pusilânime
2 fraqueza de ânimo, falta de energia, de firmeza,
de decisão
3 medo, covardia
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queimor Datação: 1858 cf. MS6Ortoépia: ô
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n substantivo masculino
1
sabor muito picante; ardência, queimo
Ex.: o q. da pimenta-malagueta
2 Derivação: por
metáfora.
estado de sobreexcitação, de
arrebatamento; exaltação
Ex.: o q. dos ânimos
3 Derivação: por extensão de sentido.
forte perturbação; ardor
Ex.: o q. das paixões
4 Derivação: por extensão de sentido.
quentura febril
Ex.: o q. do corpo
5 calor intenso
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justafluvial Datação: 1899 cf. CF1
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n adjetivo de dois
gêneros
que está nas imediações ou junto de um rio;
marginal, ribeirinho
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Palavras novas, sempre, para reforçar as ideias e ganhar novos impulsos na linguagem.
ResponderEliminarAchei o artigo... TANTALIZANTE (de Tântalo).
Tantalizante.... - Espicaçar ou atormentar com alguma coisa que, apresentada à vista, excite o desejo de possuí-la, frustrando-se este desejo continuamente por se manter o objeto dele fora de alcance, à maneira do suplício de Tântalo (v. tantálico1).
Provocar desejos irrealizáveis em. - José Alberto Braga