quarta-feira, 3 de abril de 2013

a-ver-outros-livros no Metro: José Saramago

'É ele, não vês logo', dizia um miúda para o namorado, uma destas tardes na estação de metropolitano do Aeroporto, em Lisboa. Olhavam a caricatura de António na parede de mármore e reconheciam os óculos, a testa alta marcada pelas rugas, talvez até os braços cruzados do escritor. Não é em vão que se é o único escritor português a ter recebido o Nobel, corria 1998.  Três anos antes recebera também o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.

José de Sousa Saramago (Golegã, 16 Novembro 1922 — Lanzarote, 18 Junho 2010), argumentista, ensaísta, jornalista, escritor e poeta português, polémico até à medula, quer pela política quer pela forma como encarava a religião. Não estou inclinada para polémicas hoje, antes para o amor.

"O Amor não Tem nada que Ver com a Idade

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.
"

Saramago, in revista "Máxima", Outubro 1990

Ao que parece, terá dito também que "somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não". Talvez tivesse razão. Como talvez tivesse razão quando disse ao "Diário de Notícias", em 2009: ""O poeta não será mais que memória fundida nas memórias, para que um adolescente possa dizer-nos que tem em si todos os sonhos do mundo, como se ter sonhos e declará-lo fosse primeira invenção sua. Há razões para pensar que a língua é, toda ela, obra de poesia."

Abril traz-nos um novo livro de Saramago. "A Estátua e a Pedra", editado pela Fundação com o seu nome e liderada por Pilar del Rio, tem lançamento mundial na segunda quinzena de abril, na Feira do Livro de Bogotá. A obra, em edição bilingue, em português e espanhol, é uma reflexão de José Saramago sobre os seus livros e sobre a importância decisiva que o facto de viver numa ilha de pedra e vulcões como Lanzarote teve para entender o seu estilo literário e de vida.



Enquanto chega e não chega, um poema. Sim, de Saramago, que também os escrevia.

"No Coração, Talvez

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.
"

in "Os Poemas Possíveis"

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