Foto: ana almeida |
Limito-me a convidar-vos a celebrar também, oferecendo-vos poesia. A trindade de Alice, como podem entender vendo primeiro este vídeo "Ler Mais, Ler Melhor".
Por fim, também a poesia de Alice - que, absolutamente, não é apenas autora de prosa juvenil.
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"Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera"
Ruy Belo in "Aquele Grande Rio Eufrates"
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"A estrada branca
Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto
folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
Podia morrer por uma só destas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate."
José Tolentino Mendonça in "A Noite Abre Meus Olhos [Poesia Reunida]"
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"Amo-te no Intenso Tráfego
Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento."
Daniel Faria, in "Dos Líquidos"
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foto: ana almeida |
"Poema
Envelhecemos com as palavras ou elas
connosco
digo amor e já não corro precipitadamente
pela escadaria de pedra com enormes
anjos de facas sobre as nossas cabeças
que me levava ti nas manhãs em que o desejo
(a que evidentemente dávamos
outro nome mais brando )
e nos rebentava o corpo como o pólen
das árvores na primavera
e ainda não sabíamos sequer
que transportávamos em nós
a doença incurável das noites que não iriam ser as que esperávamos
já não sigo no teu corpo os sulcos
largados pelos meus dedos na hora apressada do regresso a casa
nem abafo na amurada de todas as partidas
o gesto com que não soube prender a tua fuga
digo amor e estão muito longe
as maneiras subtis de te levar escondido
entre cadernos e camélias e dilacerados sorrisos
de fim de festa
pior do que isso:
nem sequer preciso de dizer amor
para que ele se desfaça nos terrenos baldios
do meu sangue onde os teus passos
durante tantos anos
o procuraram
-- e ilumine as horas em que o eco da tua voz
traz consigo as espadas que os anjos de pedra
então nos apontavam"
Alice Vieira in "O Que Dói Às Aves"
Parabéns, minha querida camarada Alice! ♥
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ADENDA
A vida é feita de timings - e as coincidências tornam-na deliciosa. Acabei de fazer e publicar este post dedicado a Alice Vieira e saí para passear a Vodka (sim, a minha canita).
Aproveitei para ir ver o correio.
E, lá dentro, um envelope com o novo livro da Alice, "O Mundo de Enid Blyton", que estará nas livrarias já no dia 25. Inclui uma dedicatória linda.
É impressionante! Ela é que faz anos e eu é que recebo o presente! ♥
Prometo ler e falar-vos dele mais adiante.
E quando procuramos um poema e é a poesia em pessoa que nos aparece pela frente ?Aqui estão três poemas que levo comigo como coisa preciosa para o dia de hoje .Quem procura sempre encontra , dizem , mas com os amigos certos ,nem precisei de procurar muito
ResponderEliminarBeijinho grande Ana, Obrigada !
( Já passou o dia , pois já, mas só hoje aqui vim parar e também como para a Alice a vida é uma comemoração permanente , assumiremos que ela hoje faz não sei quantos anos e meses e dias que nasceu ...)
Esta nossa Alice tem tudo para ser ponte : até nos une uns aos outros como se fôssemos todos as margens de um mesmo rio ...E não é que somos ?
Que bom ver-te por aqui, querida C. E que bonitas palavras. Que a ponte que nos une continue a celebrar anos e meses e dias! E que a poesia nunca nos falte. Um beijinho!
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