sábado, 23 de março de 2013

A Poesia que nos acompanha com Pedro Estorninho


Nas minhas deambulações por livrarias, encontrei em Londres uma colecção organizada pela BBC Radio e editada pela Phoenix, Poetry Please! É a compilação de vários poemas que são lidos por alguns actores ou declamadores durante a emissão de um determinado programa com o mesmo nome, Poetry Please! O programa consiste numa permuta muito simples, as pessoas telefonam para a estação, pedem os poemas e durante o horário de emissão do Poetry Please são lidos. Que magnífica ideia, à moda de discos pedidos mas com poesia. Estamos a falar da emissora pública, a BBC. Não querendo desviar-me do assunto, mas desvio-me, não será esta uma maneira de formar leitores, públicos através do tão falado serviço público? Este formato teve tanto sucesso quando começou em 1979 que, quando adquiri um exemplar da compilação, há dois anos, ainda estava no ar. Deste exemplar deixo-vos um poema de Leo Marks:

The life that I have

The life that I have
Is all that I have
And the little that I have
Is yours
The love that I have
Of the life that I love
Is yours and yours and yours
A sleep I Shall have
A rest I shall have
Yet death will be put a pause
Fou the peace of my years
In the long green grass
Will be yours and yours and yours

Entremos então na nossa poesia, mais uma vez confesso que me foi difícil a escolha. Tantos foram os poemas, frases, pensamentos (é verdade existe quem acredite que não, mas os poetas também pensam), etc. Que decidi-me por uma viagem de Sul para Norte, começando no Baixo Alentejo e terminando em Braga.

Manuel da Fonseca reúne na sua obra poética, alguns dos textos mais belos, simples e suados que já li. Tive o grande prazer, desde muito novo mesmo antes de ir à escola, de privar com o Manuel. Era amigo e camarada do meu avô Joaquim. A casa do meu avô em Santiago do Cacém (Cerromaior) tinha como visita constante, entre outros, o Manuel da Fonseca. Os seus livros, além do trabalho poético, são como ele era, uns fenomenais contadores de estórias. Além disto tudo era um homem de liberdade, um grande combatente anti-fascista. Dele deixo aqui umas quantas linhas, as primeiras são do início de “O fogo e as cinzas” no conto “O Largo”:

“Antigamente, o largo era o centro do mundo. Hoje, é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a vila.”

Do livro “Planície” um excerto do poema “Estradas”, para quem conhece profundamente o Alentejo, sabe bem que é assim:

Não era noite nem dia.
Eram campos, campos, campos
Abertos num sonho quieto.


Subindo agora um pouco no território paremos em Rio Maior, mais precisamente São João da Ribeira. A paragem justifica-se, aqui nasceu em 1933 o Poeta maior, Ruy Belo. Faz parte do meu manual de sobrevivência, é-me indispensável, todo o trabalho deste poeta é-me indispensável. Deixo-vos este tesouro que é o início do livro “A Margem da Alegria”

“Quando já pelos prados o orvalho
Aspergira as inúmeras pétalas das primeiras flores
e corriam as lágrimas ao longo da já longa idade
de homens onde o rio da alegria já secara há muito
talvez suponho eu no tempo dos primeiros salmos

admoestadores

em que os olhos se abriam para o medo das mensagens

mais funestas…”

Belíssimo.

Já aqui por terras do Porto escolho também outro incontornável, Alberto Pimenta com o seu livro “A sombra do frio na parede” e o seguinte poema:

Tenho um anel dentro dela
tenho dentro dela um anel

Tenho dois anéis dentro dela
tenho dentro dela dois anéis

Tenho três anéis dentro dela
tenho dentro dela três anéis

Tenho quatro anéis dentro delas
tenho dentro dela  quatro anéis

an horrible instrument of pleasure,
love combines intense passion with intense measure.


Termino esta boa punitiva em Braga com outro senhor, fez das ruas desta cidade a sua casa, Sebastião Alba. Também nas mesmas ruas nos deixou. Do livro “Noite Dividida” retiro o Poema:

“Fim de Poema”

Para que nem tudo vos seja sossegado,
Cultivai a surdina.
Eu fico em surdina.
Em surdina aparo
os utensílios,
em surdina me preparo
para morrer.
Amo, chut!, em surdina;
a minha vida,
nesga entre dois ponteiros, fecha-se
em surdina.


Pedro Estorninho

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