terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

a-ver-outros-livros no Metro: Eça uma vez

Eça uma vez um cartoonista chamado António - António Moreira Antunes, de seu nome completo -, a quem o Metropolitano de Lisboa decidiu encomendar a decoração artística da estação Aeroporto, inaugurada em Julho passado. Conhecido por uma crítica incisiva nos cartoons que produz regularmente para o jornal Expresso, seguiu neste projecto outra abordagem. 


foto Carla Rosado / Público
"Deixei de lado a crítica e estas são caricaturas simpáticas, sobretudo de homenagem, a gente que nos marcou", afirmou o artista na inauguração, assumindo que este foi um "desafio profundo". Ao todo, estão espalhadas pelas paredes do Metro caricaturas de 53 personalidades - mais de uma dezena gente da escrita.
 

Estes são os factos, coisa de jornalista. Podia limitar-me a mostrar-vos as imagens. Mas preferi fazer uma pequena série - ligando a caricatura ao autor que representa. Digamos que um registo. Digamos que me dará prazer. Espero que vos dê prazer.


E começo com Eça, só porque sim.
 

José Maria Eça de Queirós (Póvoa de Varzim, 25 novembro 1845 - Paris, 16 agosto 1900), autor de clássicos como "Os Maias" e "O Crime do Padre Amaro". Foi também o autor de "Correspondência de Fradique Mendes", onde fui buscar este trecho.

"A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra.
"
 

2 comentários:

  1. Acho que é a estação mais bonita. Muito boa esta ideia :)

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  2. Neste momento ainda está muito 'nova' para, por mim, a considerar a mais bonita. Mas o tempo e o uso se encarregarão de perpetuar a arte e de lhe dar a patina que merece e que a tornará ainda mais especial.
    Obrigada, Patrícia.

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