quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Motivações de uma obra, por Joaquim Fernandes


Motivações de uma obra

Desde cedo me seduziram os recantos mais sombrios da História, as encruzilhadas menos frequentadas e os lugares mais soturnos e menos frequentados da nossa vivência comum. Os largos espaços cósmicos assediaram a minha atenção e cuidado, e assim me vi ocupado, desde finais da década de 1970, em discernir os arroubos extraterrenos do imaginário dos concidadãos de olhos nas estrelas e corpo aqui na terra. Passagem obrigatória em Fátima, 1917, estação de trânsito dos mais ousados sonhos de ligação ao Céu, com maiúsculas, ponte para outras indagações com o mesmo sentido, mas em escala mais astronómica e menos religiosa e popular-mariana. Seis afadigados anos se esfumaram do meu crédito de investigador nessa labuta partilhada com Fina d’Armada, em demanda da verdade possível das femininas aparições…


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Daí em diante, contaminado com a febre das estantes, das velhas crónicas e periódicos bafientos, instalei-me como monge copista nas sombras das bibliotecas. De vidas de santos e santas rotulados de virtudes na vida e na morte, dos repertórios dos hagiológios setecentistas, fiz dissertação de mestrado; em imparável sucessão de leituras indaguei os caminhos da formação do imaginário extraterrestre nas nossas elites culturais, desde o fim da Modernidade até meados do século XIX e vi-me desembocar num doutoramento original, estreia europeia nos domínios da História. Entre céus menores, mais próximos do nosso alcance, não menos distantes dos nossos medos e pavores.

Assim me fui formatando para rever os interstícios mais sórdidos, os intervalos mais esquecidos da nossa vida coletiva. Afinal, convenço-me de que a construção da nossa identidade remonta a logradouros bem remotos nas idades e nos lugares dos nossos antepassados. De certa forma, facetas omitidas por compêndios mais orientados para as etapas mais materiais, bem mais visíveis, do nosso percurso como nação.   

A forma mental de toda esta construção emerge, agora, como um icebergue do qual apreciamos apenas a porção visível: donde, o arrolamento de credos, atitudes, superstições e construções mentais que depositei na “História Prodigiosa de Portugal. Mitos & Maravilhas”, primeiro lanço de um edifício que prosseguirá nos meus próximos intentos. Já antes, o fabuloso terror planetário, fatalmente nacional, produzido pela passagem do cometa de Halley, em 1910, motivara o meu interesse: assim lhe chamei o “Cometa da República” por anteceder em poucos meses a data do 5 de Outubro desse ano.
Fui-me fazendo, deste modo, observador de atitudes mentais, de estereótipos psicológicos e sociais que, diante do extraordinário, do fantástico, do prodigioso, nos tem mantido nesta infância sensorial e interpretativa dos que não compreendemos. São esses subterrâneos do nosso inconsciente coletivo que nos levam a conceber as mais singelas desculpas para (sobre)vivermos nesta “solidão cósmica”, que tanto aterrorizava o filósofo cristão Blaise Pascal.

Joaquim Fernandes, historiador 

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