quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A minha vida de revisor

Há dez anos, trabalhava numa agência de comunicação que era simultaneamente uma editora de livros. Pediram-me para rever um livro. Descobri nessa altura o que era a maravilha concomitante de ler livros e poder viver materialmente disso. Era, contudo, um caminho perigoso para quem gostava de livros. Quando o objecto da nossa paixão se torna no objecto do nosso labor, a paixão perde o seu fogo. Ainda assim, há dez anos que venho executando este ofício, dando igualmente formação de Revisão de Textos na escola escreverescrever. Gosto de rever, gosto muito de ensinar e de aprender com os alunos, mas por vezes de tão mergulhado em livros pergunto-me se não deveria ter sido economista, psicólogo, político, gestor de um espaço cultural, actor, treinador de futebol, para que do contraste entre trabalho e lazer o livro me continuasse a incendiar sempre.



Ao longo destes anos, enriqueci-me muito com as revisões. Não vale a pena falar aqui da quantidade infinita de questões da língua que aprendi. O que pretendo registar é a quantidade de assuntos que fui obrigado a ler por ser revisor e que de outra forma não leria. Quase por acaso, e sem esforço, tornei-me «especialista» em livros de vampiros e lobisomens, em marketing e vendas, em certos tipos de esoterismo (como aquela senhora que comunicava com Jesus), em livros de auto-ajuda, em livros infanto-juvenis actuais que se vendem às carradas (perceber no fundo o que lêem as crianças e os adolescentes de hoje), em literatura erótica (ainda hoje não consigo expulsar da mente a imagem vívida daquele pintor ginecómano que aproveitou o cadáver ainda fresco da irmã para ter um prazer sexual superlativo). Sou também hoje mais moderado nos meus preconceitos literários quanto a catalogações. Em todos os livros, aprendi algo. Emerson dizia que cada homem que encontrava lhe era superior em alguma coisa e que nesse ponto aprendia com ele. O mesmo sucede com os livros. Nem que seja, digo-o sem ironia, a perceber que é importante ler livros maus para perceber enquanto escritor o que é mau e por que razões é mau.

Manuel Monteiro

*Clube de Leitores COM_vida Manuel Monteiro - este mês fazemos leitura conjunta do seu livro O Suave e o Negro

2 comentários:

  1. Vc. é um revisionista da palavra. Dos bons. Se todos os revisionistas fossem assim, o Mundo estava salvo.

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