Caro Cogoi, em boa verdade não tenho a certeza, apesar de eu próprio o
ter escrito, se alguém é capaz de contar a vida de um homem melhor que ele
próprio. É certo, aquela frase tem um ponto de interrogação; ou melhor, se bem
me lembro – já passaram tantos anos, um século, o mundo em volta era então
jovem, uma madrugada húmida e verde, embora fosse já uma prisão – a primeira
coisa que escrevi foi precisamente aquele ponto de interrogação, que arrasta
tudo o resto com ele. Quando o doutor Ross me incitou a redigir aquelas páginas
para o anuário, teria sido do meu agrado – e teria sido honesto – entregar-lhe
muitas folhas com um grande ponto de interrogação e nada mais, mas não queria
ser indelicado com ele, tão benévolo e cortês, em comparação com todos os
outros e, além do mais, não seria oportuno irritar alguém que pode tirar-te de
um bom lugar, como a redacção do almanaque da colónia penal, e mandar-te para o
inferno de Port Arthur, onde se leva com o chicote de tiras, apenas porque, se
durante alguns breves instantes, já extenuado, naqueles rochedos e na água
gélida, alguém se senta no chão.
* Tradução de Sara Ludovico
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