domingo, 9 de dezembro de 2012

Um sublinhado de Marguerite Yourcenar, in 'Memórias de Adriano'

«Não desprezo os homens. Se o fizesse, não teria direito algum nem razão alguma para tentar governá-los. Sei que são vãos, ignorantes, ávidos, inquietos, capazes de quase tudo para triunfar, para se fazer valer, mesmo aos seus próprios olhos, ou simplesmente para evitar o sofrimento. Sei muito bem: sou como eles, pelo menos momentaneamente, ou poderia tê-lo sido. Entre outrem e eu, as diferenças que distingo são demasiado insignificantes para que a minha atitude se afaste tanto da fria superioridade do filósofo como da arrogância de César. Os mais opacos dos homens também têm os seus clarões: este assassino toca correctamente flauta; este contramestre que dilacera o dorso dos escravos com chicotadas é talvez um bom filho; este idiota partilharia comigo o seu último bocado de pão. Há poucos a quem não possa ensinar-se convenientemente alguma coisa. O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui.»

*in «Memórias de Adriano» de Marguerite Yourcenar. Edição Ulisseia.


«Memórias de Adriano tem a forma de uma longa carta dirigida pelo velho imperador, já minado pela doença, ao jovem Marco Aurélio, que deve suceder- lhe no trono de Roma (século II d.C.). Pouco a pouco, através deste serena confissão ficamos a conhecer os episódios decisivos da vida deste homem notável. Vencedor do prémio Femina Varesco. Este romance é seguramente um dos mais importantes de Marguerite Yourcenar e uma das obras de referência da literatura contemporânea.»

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