A propósito do seu último livro
A Instalação do Medo
RSM: A instalação do medo, o quanto há de
metáfora e de literalidade neste título, neste livro?
R: A pergunta
deve ser feita à dona realidade, não a mim. Eu apenas transcrevo.
RSM: “Bom
dia, minha senhora, viemos para instalar o medo. E, vai ver, é uma categoria.”
In A instalação do medo
Já bateram à sua porta para instalar o
medo?
R: Já.
Ultimamente é todos os dias.
RSM: “Ela
sabe o que a espera, sabe também que não sabe o que a espera”.
In A instalação do medo
O inesperado “mete” medo?
R: O medo
instala-se, seja em que situação for, nas fímbrias da imaginação. Como um
polícia que (aconteceu-me há 30 anos) mal chegamos à esquadra-coito fica calmo
e pergunta por que motivo não estou eu também calmo.
RSM: “Tempos
desalmados pedem gente desalmada.”
In A instalação do medo
Concorda?
R: Não.
Transcrevi-o e (prontos transcrevi-o) mas acho uma monstruosidade.
RSM: “-
O medo é a pragmática da metafísica. / - Ou a metafísica tornada pragmática.”
In A instalação do medo
O que é o medo?
R: O medo é um
desequilíbrio artificial provocado voluntariamente ou involuntariamente no
íntimo de um indivíduo ou de um colectivo. Quando vivíamos em grutas era um
utensílio, hoje o mais das vezes é uma filhadaputice.
RSM: De que é que tem medo?
R: De que algo
aconteça aos meus filhos. What else?
RSM: Qual a sua personagem preferida e
porquê?
R: Gosto da
mulher. Tem tomates. Até hoje não conheci uma mulher que não os tivesse. Até
hoje, infelizmente, conheci muito poucos homens que os tivessem.
RSM: Os instaladores do medo são
previsíveis?
R: Eles bem
julgam que não são, mas...
RSM: Estava muito curiosa pelo final do
livro. Não revelando pitada, digo apenas que me surpreendeu e que o final
sustenta perfeitamente toda a narrativa.
Posto isto, uma pergunta mais comezinha, no
final, o medo perde ou ganha?
R: Boa pergunta.
A minha tentação (juro) é responder, mas já passei dos 50 anos e virei sábio.
RSM: Como foi o processo de concepção do
livro, antes da palavra no papel já tem estruturadas as linhas de efabulação ou
tudo acontece de forma mais livre e solta a
posteriori, ou seja, enquanto escreve?
R: Quando
escrevo para publicar, e obviamente nem sempre o faço, tento pensar no
"leitor ideal". Ou seja, estou a contar uma história, não a baptizar
uma alforreca. Penso em mil hipóteses e depois, que remédio, escolho um
caminho. Sabendo sempre que, depois, vou poder rever mas que rever nunca é escrever.
RSM: Depois do último ponto final, o
trabalho de revisão dá-lhe prazer, mete-lhe medo ou entedia-o?
R: Gosto muito,
muito mesmo, de rever. É a única parte pela qual mereço mérito - e que me
orgulha enquanto ser pensante.
RSM: Uma coisa que este livro não conseguiu
fazer foi o permitir-me abstrair do tempo em que vivo, das horas do quotidiano.
Nesse sentido o livro “incomodou-me”?
Quer com este livro “incomodar” os
leitores?
R: Esse é o
drama do escritor que tenta ser honesto. Um livro é um livro, certo? Um livro é
um livro. A sua função primeira é entreter. Mas, por vezes, uma pessoa descobre
que, complicando a vida ao leitor, serve melhor o leitor. Com o risco de o
leitor ir buscar autores mais amáveis. Mais amáveis serão... mas não o amam
tanto. Mal comparado, é como com os filhos: fazer as vontadezinhas faz de nós
melhores pais? (Eu sei que parece arrogante dizer que sei mais que os leitores,
mas por acaso, desculpem qualquer coisinha, sei: sou mais velho, mais
experiente, mais lido, trabalhei mais que vocês... Não vos chega o meu amor?
Querem também que minta e diga que vos acho o máximo, infelizes?)
RSM: São os livros capazes de incomodar e
no limite de mudar vidas?
R: Sim.
Raramente, mas sim. Essa é a fé.
RSM: É paralelamente professor, leccionar e
escrever são trabalhos que convivem bem juntos ou “um” “devora” o “outro”?
R: Nadamos no
mesmo mar. Para mim (pelo menos para mim) é o mesmo mar. Recuso-me a dar aulas
que não sejam uma #$% aventura. Despeçam-me quando quiserem, be my guest, burrocratas.
RSM: Quais os três escritores que mais
gosta neste momento?
Inês Pedrosa,
Alberto Pimenta, António Carlos Cortez. São os que estão à minha frente e não
os trocava por nada deste mundo. Cada momento é um vodca absoluto, e esta
publicidade é grátis.
RSM: Quais os últimos três livros que
gostou de ler?
R: Isto é para
ver se me apanham em contradição, é? Mas não há contradição, há dialética. Um
livro é um livro, uma unidade. Uma unidade em movimento. De nada, Alberto
Pimenta (Boca). Dentro de ti ver o mar, Inês Pedrosa (D. Quixote). O
coleccionador de Mundos, Ilja Torjanow (Arkheion).
Obrigada.
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