quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E acabam assim estes dias do arco-íris



O término da leitura do livro do mês de Novembro, "Os dias do arco-íris", de Antonio Skarmeta, é partilhado com uma publicação em papel. A propósito deste mesmo livro tinha escrito uma espécie de resenha/ resumo para a Revista Vírus, em edição papel e mais tarde em formato digital online. Para já o número dois, da segunda série da publicação ainda só está em formato de papel. Deixo mais abaixo o link para o site para que possam ver o número anterior e mais tarde procurar o mais recente.
Reproduzo também o texto publicado que fica como ponto final para esta leitura que espero que tenham gostado de seguir.

"«A história de um não que queria ser sim»
Os Dias do Arco-Íris, de Antonio Skarmeta. Teodolito (chancela das Edições Afrontamento), 2011, 208 páginas.


Chegou a Portugal em 2011, “Os Dias do Arco-Íris” de Antonio Skarmeta, pela Teodolito, chancela das Edições Afrontamento, e coordenada pelo editor Carlos da Veiga Ferreira. Chegou às nossas mãos no ano em que ganha o Prémio Iberoamericano de Narrativa Planeta-Casa de América. Skarmeta acumula uma longa lista de prestigiosos prémios internacionais: o Prix Médicis, o Grinzane Cavour, o Elsa Morante, o Boccaccio Internacional, a Medalha Goethe e o Prémio Mundial de Literatura Infantil da Unesco. Os seus livros encontram-se traduzidos em mais de 35 idiomas. “O Carteiro de Neruda” alcançou êxito mundial e o filme, realizado Michael Radford, obteve cinco nomeações para o Oscares.

Esteban Antonio Skármeta Branicic nasceu em Antofagasta em 1940, descendente de croatas. Cursou filosofia e literatura na Universidade do Chile, completando seus estudos nos EUA e graduando-se na Universidade de Columbia. Foi membro da organização de esquerda Movimento de Acção Popular e Unitária (MAPU) e em 1973, quando era professor de literatura da Universidade do Chile, abandonou o país por força do golpe militar promovido por Pinochet. Após morar na Argentina, fixou residência na Alemanha, regressando ao seu país apenas em 1989.

“Os Dias do Arco-Íris” revisita o momento em que Pinochet foi tirado do poder pela campanha do Não, uma coligação que embalava a resistência à ditadura em anúncios com jingles, cores do arco-íris e amplos sorrisos - uma estratégia brilhante e arriscada para derrotar um legado de pesadelo. Em Outubro de 1988, foi realizado um referendo nacional exigido pela Constituição para determinar se Pinochet deveria permanecer no poder por mais oito anos. O "não" venceu e Pinochet caiu. Até parece fácil!

Skármeta, disse que se Pinochet "não foi derrotado, permitiu-se ser destituído", e que, a seu ver "ainda não foi dito nada" sobre todo o ocorrido neste período "de luzes e de sombras".

A 30 de Agosto de 1988, os Comandantes e Chefes das Forças Armadas e o General Director dos Carabineros, em conformidade com as normas transitórias da Constituição em vigor, propuseram como seu candidato Augusto Pinochet. Os partidários do "Sim" integravam membros do governo e os partidos Renovação Nacional, União Democrata Independente e outros partidos menores. Por outro lado, a oposição criou a Concertação de Partidos pelo "Não" que agrupava 16 organizações políticas opositoras ao regime, entre as que se destacavam a Democracia Cristã, o Partido pela Democracia e algumas facções do Partido Socialista. O Partido Comunista ainda estava proscrito. A 5 de Setembro desse ano foi permitida a propaganda política após quinze anos de ditadura.

A propaganda seria um elemento chave para a campanha do "não", ao mostrar um futuro colorido e optimista, contraponto a campanha oficial, notoriamente deficiente de qualidade técnica e que pressagiava o retorno do governo da Unidade Popular em caso de uma derrota de Pinochet. Ainda que a campanha do "sim" conseguisse reverter os magros resultados do começo, revitalizando sua campanha, os resultados finais entregaram a vitória à oposição: o "sim" obteve 44,01% contra 55,99% do "não".

Ao silêncio inicial de Pinochet, que aparentemente havia pensado em não reconhecer os resultados do referendo, sucede-se a aceitação da vitória do "não" e a afirmação da continuidade do processo traçado pela Constituição de 1980. Assim, marcaram-se eleições para a presidência e parlamento no dia 14 de Dezembro de 1989.

Em comparação com outras experiências de transição democrática de países latino-americanos do chamado Cone Sul, o Chile apresentava, no início da década de 1990, uma tríplice particularidade: em primeiro lugar, não herdava uma crise económica, uma vez que a mudança fundamental de modelo económico e seus respectivos custos haviam sido realizadas sob o regime militar; seguidamente, tratava-se do único caso em que a maioria do bloco de oposição à ditadura se converteu numa coligação de partidos de governo, ao iniciar-se a fase democrática; por fim, as duas vantagens anteriores chocam com a profundidade e extensão dos enclaves autoritários, o que estabelece o seguinte paradoxo: no Chile dá-se uma das transições mais incompletas, que convive simultaneamente com um novo regime bastante consolidado.

A transição para a democracia no Chile talvez seja o maior exemplo de um processo político que, quanto mais avança, mais se distancia do seu impulso original. Quanto mais avança, mais se vê cancelado o processo de democratização, entendido como aprofundamento e expansão da participação, ao mesmo tempo que se cristaliza a impossibilidade de qualquer reforma na estrutura de representação política da cidadania.

Neste livro Skármeta serve-se de dois narradores, que nos vão relatando a história em capítulos alternados: Adrián Bettini e Nico. Bettini é um publicitário talentoso mas desempregado que aceita a incumbência de criar a campanha do Não. Nico é um adolescente, filho de um professor de liceu desaparecido às mãos do regime chileno. É também colega e namorado da filha de Bettini, sendo esse o elo de ligação entre as duas narrativas.

O estilo de Skármeta é directo e conciso. À medida que avançamos na história, mergulhamos no modo como se vivia, trabalha, estuda e amava nos dias finais do regime de Pinochet. Não parece ter sido de forma diferente do que se passa em tantas outras ditaduras, onde qualquer gesto, mesmo o mais inocente, pode ser mal interpretado e levar à morte. O drama dos desaparecidos é focado no livro, sobretudo através da história do professor Santos. Um aspecto interessante do livro é a forma como nos permite compreender as hesitações daqueles que querem opor-se ao regime, com os naturais receios de eventuais represálias. Outro aspecto muito bem conseguido é o retrato que é feito da total ausência de direitos dos cidadãos, perante a arbitrariedade de quem exerce o poder.

“Os Dias do Arco-Íris” como uma obra literária responde aos requisitos de um bom romance. Divertido pela forma como é contada, como as histórias nos são apresentadas. Agarra-nos pelos factos históricos que contam brevemente, mas com clareza, e tudo é escrito numa linguagem acessível e cheia de pormenores regionalistas que nos enquadram também cronologicamente."


por Pedro Ferreira, in Vírus, Novembro 2012, II Série

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