domingo, 11 de novembro de 2012

Tango

(ao domingo) Letras Focadas
“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”

Hoje, as Letras estão focadas na escrita de Mário Nuno Neves.
De um universo intimista e profundamente vivencial, Mário Nuno Neves, solta a pena e faz-nos "vestir" a sua pele através da sua visão estética da vida.
Publicado no seu blog (http://www.ataraxiaponia.blogspot.pt), partilho um texto onde o Tango é muito mais que uma forma de dança. É o sentir a vida de forma intensa, vivida na primeira pessoa; onde os prazeres são estados puros de alma.
Deixe-se levar, nesta dança que se faz de forma poética, corrida na ponta da pena.

"Há muita gente que gosta de Tango e pouca que o consiga perceber.
Só percebe o Tango quem gosta do excesso e com ele faz o exorcismo do medo.O medo existe e persiste e que por insistência se torna um hábito, uma irrelevante à qual não se liga.
Só percebe o Tango quem prefere a decadência ao apogeu. Quem sabe que é no desmoronar paulatino que paira a essência da vida, filtrada, tornada aroma, indefinida, ex-acto.
Só percebe o Tango quem vive em prazer e dor e se entedia com os estados intermédios.
Só percebe o Tango quem obriga a alma a sacrificar o corpo até ao colapso.


Astor Piazzolla - Otoño Porteño


Tela de Mário Nuno Neves

Falar em Tango é também falar em Buenos Aires.
Porque Buenos Aires é um tango e o tango que ela é tem passos e acordes da dignidade furiosa de quem se mata morrendo por paixão.
Buenos Aires é uma senhora idosa que no salão de chá - inaugurado ainda o seu pai usava calções - lancha vagarosamente, olhando o mundo vendo dentro de si.
Buenos Aires é uma mulher madura que caminha, segura, na Floridita, parando em cada montra para observar em cada vidro o espelhar dos olhos de quem a deseja.
Buenos Aires é uma rapariga de seda puída por todas as enxergas em que entregou, a troco de quase nada, o corpo que julga seu.
Buenos Aires gosta de fingir que é uma Barcelona nas margens do Sena.
Buenos Aires é uma lágrima.
Uma lágrima que não vê, não por ser transparente mas porque nunca brota.
Uma lágrima de quem se conformando nunca se conforma.
Uma lágrima de quem sabe tanto e que por isso mesmo gostaria de não saber nada.
Buenos Aires ilude a alma vermelha com um palácio cor de rosa.
Buenos Aires chora quem falta e ri de quem a julga.
Eu bem que podia fazer de Buenos Aires o meu túmulo desde que para tanto fosse enterrado de fato completo, escuro e de bom corte.
De outra forma não."

MNN

*«Letras Focadas» é uma crónica organizada por Elsa Martins Esteves 

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