“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”
D. Elvira foi em tempos, moça de olhar matreiro, corpo reboliço e apetitoso.
Ao domingo, a juventude reunia-se e ao som do acordeão, reinava a alegria. Os bailes eram a única possibilidade dos corpos se tocarem à vista das beatas que, sentadas em fila, decidiam quantos centímetros de distância, ancas e pernas, deveriam rodopiar.
Elvira era a rainha do baile. Só lhe faltava o livrinho de debutante para anotar os nomes dos rapazes que, em fila, aguardavam a sua vez para ter Elvira em seus braços.
Na vida de Elvira sempre tinha existido um companheiro. Nunca a aldeia percebeu esta relação. Era tema de conversa, em surdina, este mundo estranho de Elvira.
Dia e noite, na vida dura do campo ou em festa domingueira, Elvira e seu fiel amigo eram inseparáveis. Reinava até o boato que aquela relação doentia só poderia ser explicada pela loucura que muitos julgavam ter assaltado a pobre cabeça da moça bela que vivia no casarão à entrada do povoado. Quem por lá passava ouvia sair das portadas abertas, a música da velha radiofonia e a voz de Elvira a dizer:
- Romeu…agora uma voltinha…assim não…para a direita…lá…lá..lá..lá
Romeu era um cão, ainda por cima rafeiro e que devia muito à beleza. No entanto, nada devia à inteligência e à bondade. Sem entendimento humano, o que é facto é que entre ambos havia diálogo. Elvira percebia os humores de Romeu, como Romeu sabia as horas de silêncio que Elvira necessitava para acalmar a dor da alma.
- Aquilo só pode ser coisas do diabo – Afirmava de forma peremptória D. Esmeralda, a beata mor.
E, entre as tentações do diabo e a bênção divina, Elvira consumia os seus dias de moça em estado ardente na companhia do seu Romeu, na mais pura indiferença que os dias tivessem horas, minutos ou segundos. O tempo para eles era outro, tudo o resto, era uma povoação perdida no meio da serra.
E, entre as tentações do diabo e a bênção divina, Elvira consumia os seus dias de moça em estado ardente na companhia do seu Romeu, na mais pura indiferença que os dias tivessem horas, minutos ou segundos. O tempo para eles era outro, tudo o resto, era uma povoação perdida no meio da serra.
…
Hoje D. Elvira vive na cidade. Mora na Rua Direita que de direita só tem mesmo o nome.
As portadas da sua casa, outrora grandes e arejadas, são agora tão estreitas que Elvira e Romeu não podem passar lado a lado. À frente da humilde casa há um coreto feito de ferro rendilhado, relíquia de outros tempos.
Ao domingo a banda toca no coreto.
Elvira e seu Romeu sentados no banco em frente, aguardam que a música comece.
Hoje D. Elvira vive na cidade. Mora na Rua Direita que de direita só tem mesmo o nome.
As portadas da sua casa, outrora grandes e arejadas, são agora tão estreitas que Elvira e Romeu não podem passar lado a lado. À frente da humilde casa há um coreto feito de ferro rendilhado, relíquia de outros tempos.
Ao domingo a banda toca no coreto.
Elvira e seu Romeu sentados no banco em frente, aguardam que a música comece.
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