sexta-feira, 23 de novembro de 2012

a-ver-livros: ecoando Almada Negreiros

Perante a arte de mestre Almada Negreiros, curvo-me e cito-o.
Para quê atrever-me à poesia quando a dele existe e merece ser lembrada?

* para conhecer mais da pintura de Almada Negreiros siga o link www.educ.fc.ul.pt/almada/pintor
"Canção da Saudade

Se eu fosse cego amava toda a gente.

Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gémea que nasceu sem vida, e amo-a a fantaziá-la viva na minha edade.


Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde moras, dize se vives ou se já nasceste.


Eu amo aquella mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longíssimos.


Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.


Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.


Eu amo os cemitérios - as lágens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos floridos virgens nuas, mulheres bellas rindo-se para mim.


Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.


Se eu fosse cego amava toda a gente.
"



Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

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