FORMEI-ME EM LETRAS e na bebida busco esquecer. Mas só bebo nos fins de
semana. De segunda a sexta trabalho numa editora, onde uma das minhas funções é
examinar os originais que chegam pelo correio, entram pelas janelas, caem do
teto, brotam do chão ou são atirados na minha mesa pelo Marcito, dono da
editora, com a frase “Vê se isso presta”. A enxurrada de autores querendo ser
publicados começou depois que um livrinho nosso chamado Astrologia e Amor – Um Guia Sideral para Namorados fez tanto
sucesso que permitiu ao Marcito comprar duas motos novas para sua coleção. De
repente nos descobriram, e os originais não pararam mais de chegar. Eu os
examino e decido o seu futuro. Nas segundas-feiras estou sempre de ressaca, e
os originais que chegam vão direto das minhas mãos trêmulas para o lixo. E nas
segundas-feiras minhas cartas de rejeição são ferozes. Recomendo ao autor que
não apenas nunca mais nos mande originais como nunca mais escreva uma linha,
uma palavra, um recibo. Se Guerra e Paz
caísse na minha mesa numa segunda-feira, eu mandaria seu autor plantar cebolas.
Cervantes? Desista, hombre. Flaubert? Proust? Não me façam rir. Graham Greene?
Tente Farmácia. Nem le Carré escaparia. Certa vez recomendei a uma mulher
chamada Corina que se ocupasse de afazeres domésticos e poupasse o mundo da sua
óbvia demência, a de pensar que era poeta. Um dia ela entrou na minha sala
brandindo o livro rejeitado que publicara por outra editora e o atirou na minha
cabeça. Quando me perguntam a origem da pequena cicatriz que tenho sobre o olho
esquerdo, respondo:
- Poesia.
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