De onde me virá a impressão que na casa, apesar de igual, quase tudo lhe
falta? As divisões são as mesmas com os mesmos móveis e os mesmos quadros e no
entanto não era assim, não era isto, fotografias antigas em lugar da minha mãe,
do meu pai, das empregadas da cozinha e da tosse do meu avô comandando o mundo,
não a presença, não ordens, a tosse, um lenço saía-lhe do bolso e desarrumava o
bigode, o meu pai prendia o cavalo na argola e a seguir apenas o restolhar da
erva que esse sim, mantém-se, embora seco e duro até depois da chuva, na
varanda os campos que conheço e não conheço, o renque de ciprestes que conduzia
ao portão e além do portão com um dos pilares tombado os sobreiros e o trigo, a
vila cada vez mais distante onde as luzes acentuam o escuro, um sítio de
defuntos em cujas ruas trotava abraçado ao meu pai, assustado com os postigos
vazios e a certeza que nos espreitavam dos amieiros da praça no tempo em que
nada faltava na casa, a minha mãe no andar de cima a perfumar baús, a chávena
da minha avó no pires e ela fixando-me com um olhar de retrato que atravessava gerações,
vinda de um piquenique de senhoras de bandós e cavalheiros de colarinho de
celulóide comigo a pensar se toda a gente continuaria aqui em conversas que o
relógio de pêndulo afogava no coração pausado, uma tarde encontrei a chávena e
o pires num canto da camilha e a cadeira sem ninguém, uma outra tarde os baús
do andar de cima cessaram de cheirar só que dessa ocasião automóveis no pátio,
senhores que me despenteavam numa lástima amiga
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