sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tive o privilégio de falar contigo, Manuel António Pina

Não preciso de falar da tua obra, das tuas crónicas no JN, dos teus poemas, dos teus livros ou dos teus gatos. Porque o nosso blog já tratou de fazer isso inúmeras vezes. Nós aqui somos apenas mais uma extensão da tua imortalidade. Porque um homem não morre quando deixa assim pedaços de si. E da forma como tu fizeste...

Provavelmente gostarias de saber o que dizem de ti agora que estás morto. E brincarias com o assunto. Com certeza acharias patética as saudades que deixas nos corações das pessoas. Gozarias com todos aqueles que nunca ouviram falar de ti e que agora aparecem tristíssimos a expressar pesar. Até a mim puxarias as orelhas, porque pela primeira vez te trato por "tu". Quase que aposto que acharias piada a esta mania dos homens começarem a tratar alguém assim mal se morre... Mas é a nossa tendência de santificar os que partem. De dar sentido à morte. Assunto que para ti estava bem resolvido.

Lembro-me perfeitamente das perguntas que fizeste da última vez que te atendi. Uma delas era se ali havia livros de Steiner. Não encontravas na livraria que costumavas frequentar, porque havia uma zanga com a editora. E sorriste quando descobriste que estava lá o que querias. E levaste «Os Livros Que Não Escrevi». Um pouco irónico, não?


Vi-te mais tarde na Feira do livro deste ano. Vi-te a caminho da livraria onde ias mais vezes (onde também já trabalhei). E achei-te doente. Mas não liguei muito. Em Setembro tive a confirmação que tinhas um problema grave. E, naquela sala, toda a gente ficou triste. Porque todos te conhecíamos. Porque todos te seguíamos e respeitávamos. Porque todos nós já te lemos.

Compravas livros de Direito para a tua filha. Passavas por lá a levantar a encomenda que ela tinha feito pela internet. Não te demoravas muito, mas ias sempre a tempo de perguntar qualquer coisa. Fazias uma observação ou outra. Ficavas preocupado com os portugueses e com o facto de eles estarem a cortar nos livros.

E nós... Bem... nós sempre te fizemos tributo! Durante mais de seis meses os teus livros estiveram ao balcão. «Como se Desenha uma Casa» era reposto quase a todo o tempo. Chegou a fazer parte dos mais vendidos da semana. Notável, mesmo sabendo que foste o Prémio Camões em 2011. Mais admirável, por ser um livro pequeno (mas cheio de vida). Com uma capa bonita e um título escolhido a rigor. Fantástico por ser de poesia...

Vou ter saudades de te ver. Vou ter saudades de te apertar a mão. De falarmos de livros, autores e do mundo. Acompanhava a tua crónica diária no jornal. E era o meu pensamento para aquele dia. Discutido tantas vezes com a minha última colega do mundo das livrarias. 

Deixei a profissão sem me despedir de ti. O tempo não permitiu. Ficam agora as minhas palavras. Para também eu deixar perpetuada a opinião que guardo das pessoas que gosto. 

Não quero perder a oportunidade de ver o documentário feito por Alberto Serra sobre ti. E aqui deixo apenas o início... Para que todos os que não te viram possam conhecer a voz que tantas vezes ouvi.

Até sempre, meu amigo!

Sem comentários:

Enviar um comentário