Não preciso de falar da tua obra, das tuas crónicas no JN, dos teus poemas, dos teus livros ou dos teus gatos. Porque o nosso blog já tratou de fazer isso inúmeras vezes. Nós aqui somos apenas mais uma extensão da tua imortalidade. Porque um homem não morre quando deixa assim pedaços de si. E da forma como tu fizeste...
Provavelmente gostarias de saber o que dizem de ti agora que estás morto. E brincarias com o assunto. Com certeza acharias patética as saudades que deixas nos corações das pessoas. Gozarias com todos aqueles que nunca ouviram falar de ti e que agora aparecem tristíssimos a expressar pesar. Até a mim puxarias as orelhas, porque pela primeira vez te trato por "tu". Quase que aposto que acharias piada a esta mania dos homens começarem a tratar alguém assim mal se morre... Mas é a nossa tendência de santificar os que partem. De dar sentido à morte. Assunto que para ti estava bem resolvido.
Vi-te mais tarde na Feira do livro deste ano. Vi-te a caminho da livraria onde ias mais vezes (onde também já trabalhei). E achei-te doente. Mas não liguei muito. Em Setembro tive a confirmação que tinhas um problema grave. E, naquela sala, toda a gente ficou triste. Porque todos te conhecíamos. Porque todos te seguíamos e respeitávamos. Porque todos nós já te lemos.
Compravas livros de Direito para a tua filha. Passavas por lá a levantar a encomenda que ela tinha feito pela internet. Não te demoravas muito, mas ias sempre a tempo de perguntar qualquer coisa. Fazias uma observação ou outra. Ficavas preocupado com os portugueses e com o facto de eles estarem a cortar nos livros.
E nós... Bem... nós sempre te fizemos tributo! Durante mais de seis meses os teus livros estiveram ao balcão. «Como se Desenha uma Casa» era reposto quase a todo o tempo. Chegou a fazer parte dos mais vendidos da semana. Notável, mesmo sabendo que foste o Prémio Camões em 2011. Mais admirável, por ser um livro pequeno (mas cheio de vida). Com uma capa bonita e um título escolhido a rigor. Fantástico por ser de poesia...
Vou ter saudades de te ver. Vou ter saudades de te apertar a mão. De falarmos de livros, autores e do mundo. Acompanhava a tua crónica diária no jornal. E era o meu pensamento para aquele dia. Discutido tantas vezes com a minha última colega do mundo das livrarias.
Deixei a profissão sem me despedir de ti. O tempo não permitiu. Ficam agora as minhas palavras. Para também eu deixar perpetuada a opinião que guardo das pessoas que gosto.
Não quero perder a oportunidade de ver o documentário feito por Alberto Serra sobre ti. E aqui deixo apenas o início... Para que todos os que não te viram possam conhecer a voz que tantas vezes ouvi.
Até sempre, meu amigo!
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