(ao domingo) Letras Focadas
“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”
Passou por ele uma leve pena, esvoaçante, quase invisível.
- Deixa-me ajudar-te a carregar esses fardos - disse-lhe a pena que flutuava em frente dos seus olhos.
Olhou-a com surpresa. Nunca ninguém lhe tinha ensinado a partilhar fardos. Há muito que os carregava, os dele e os dos outros.
Desde de cedo que aprendera isso. Hoje, homem feito, já nem sabia distinguir os que lhe pertenciam e os que tinha herdado. Eram fardos apenas, pesados e guardados.
Soprou de mansinho a pena que bailava ali, ao alcance da sua mão . Queria-a distante, não fosse ela perceber que nunca tinha aprendido a dividir o peso do sofrimento.
- Não ouviste o que te disse? Se me deres alguns, eu ajudo-te. Dividimos o peso, insiste a leve pena que parecia ser feita de chumbo; o sopro para a afastar apenas a tinha aproximado mais. Agora quase roçava no seu rosto.
Ela não entende - pensou - eu não sei fazer isso. Nunca aprendi a dividir o peso dos fardos que em mim habitam. Não sei fazer isso! Aprendi a viver pesado, carregado. Aprendi a mostrar a leveza que não existe em mim.
- Olha, tu és leve demais para carregar alguns fardos - diz-lhe ele
A pena parou o flutuante bailado e disse-lhe: - Como te enganas! Testa-me! Dá-me lá alguns fardos para veres como sou forte. Escolhe à tua vontade.
Por momentos, ficou incrédulo. Esta pena é teimosa - pensou - ela não percebe que eu já nem sei o que me pesa mais. Carrego-os , simplesmente. Cada vez mais, mais pesados, mais assustadores. Tenho medo, o fardo mais pesado, de um dia não ser capaz de os trazer dentro de mim e, como não aprendi a partilhá-los, ser esmagado pelo peso de tanta dor dentro de mim.
- Não tenhas medo - disse-lhe a pena - eu ensino-te a dividir o peso. Dá-me o teu fardo maior: o teu medo. Esse é leve para mim!
Fechou os olhos!
Fez - se ausente.
Teve medo de acreditar!
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