sexta-feira, 12 de outubro de 2012

1º Parágrafo: Os Pássaros de Banguecoque


E teve imediatamente a sensação de que a outra a incomodava. Desejava ficar sozinha, estender o corpo sobre os lençóis limpos, apagar a dor que se espalhava pelo interior da sua cabeça, como um molho escuro, pensar em três ou quatro coisas que lhe haviam acontecido naquela noite, esquecer outras tantas que sem dúvida aconteceriam amanhã. Talvez se me calar quando ela acabar de falar. Talvez interprete o meu silêncio como um convite para que me deixe sozinha, para que se vá embora. Mas para criar essa sensação era mister conseguir antes que a outra lhe tirasse o braço dos ombros, que retirasse aquela mão réptil rastejante que de vez em quando lhe acariciava o pescoço ou se deixava cair sobre o abismo roçando, ao de leve, a ponta do seio. A conversa continuava. Já não versava sobre problemas alheios, de outros protagonistas da festa acabada, mas sobre os seus problemas próprios.




* Tradução de Daniel Gonçalves
* Manuel Vázquez Montalbán (Barcelona, 14 de Junho de 1939 — Banguecoque, Tailândia, 18 de Outubro de 2003)
* Filho de Evaristo Vázquez, republicano exilado em França aquando do seu nascimento, que quando entrou clandestinamente em Espanha para conhecer o filho recém-nascido foi preso.
* Enquanto cursou jornalismo, Montalbán trabalhou como cobrador de uma casa funerária.

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