E teve imediatamente a sensação de que a outra
a incomodava. Desejava ficar sozinha, estender o corpo sobre os lençóis limpos,
apagar a dor que se espalhava pelo interior da sua cabeça, como um molho
escuro, pensar em três ou quatro coisas que lhe haviam acontecido naquela
noite, esquecer outras tantas que sem dúvida aconteceriam amanhã. Talvez se me
calar quando ela acabar de falar. Talvez interprete o meu silêncio como um
convite para que me deixe sozinha, para que se vá embora. Mas para criar essa
sensação era mister conseguir antes que a outra lhe tirasse o braço dos ombros,
que retirasse aquela mão réptil rastejante que de vez em quando lhe acariciava
o pescoço ou se deixava cair sobre o abismo roçando, ao de leve, a ponta do
seio. A conversa continuava. Já não versava sobre problemas alheios, de outros
protagonistas da festa acabada, mas sobre os seus problemas próprios.
* Tradução de
Daniel Gonçalves
* Manuel
Vázquez Montalbán (Barcelona, 14 de Junho de 1939 — Banguecoque, Tailândia, 18
de Outubro de 2003)
* Filho de
Evaristo Vázquez, republicano exilado em França aquando do seu nascimento, que
quando entrou clandestinamente em Espanha para conhecer o filho recém-nascido
foi preso.
* Enquanto
cursou jornalismo, Montalbán trabalhou como cobrador de uma casa funerária.
Sem comentários:
Enviar um comentário