sábado, 1 de setembro de 2012

Descobrir José Cardoso Pires numa rua estreita

Ainda com areia nos pés e cheiro a mar no nariz, um bocadinho das férias que decidi trazer para o blogue. Foi mesmo a passar em frente à casa que me chamaram a atenção para a placa. Foi no momento a seguir que me lembrei que tinha que partilhar isto com vocês. Descobri José Cardoso Pires numa pequena rua da Ericeira.

Muita da escrita do José Cardoso Pires tem mar, tem proximidade com o mundo do mar. Também o seu percurso de vida foi marcado pelo mar. Nascido em São João do Peso, no concelho de Vila de Rei, foi muito cedo para Lisboa com pais, ele oficial da Marinha, ela dona de casa. Entre 1935 e 1944 frequentou o Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho, iniciando, de seguida, uma nunca terminada licenciatura em Matemáticas Superiores, na Faculdade de Ciências. Em 1945 alista-se na Marinha Mercante, como praticante de piloto sem curso, actividade que abandona compulsivamente, "suspeito de indisciplina e detido em viagem do navio Niassa".




Em "O Anjo Ancorado", uma história simples cuja acção se desenrola numa tarde, João, um homem da cidade, resolve ir fazer pesca submarina numa pequena aldeia nos arredores de Peniche, acompanhado por Guida, uma jovem com metade da sua idade, que ainda mal conhece.

Mal chegam à falésia são abordados por um rapazinho da aldeia que tenta logo fazer negócio com os forasteiros, propondo a venda de uma renda que a irmã terminará à pressa. Também um velhote que tenta caçar um pequeno perdigoto faz parte desta história, uma história repleta de contrastes. De um lado a despreocupação de João e Guida, claramente abastados, do outro lado os habitantes da pequena aldeia, vivendo à beira da miséria, dependentes dos humores do mar. Este contraste está também presente no próprio ritmo da narrativa: lento na de João e Guida, simbolizando as despreocupações, e mais acelerado na da população local, denotando a dificuldade de vida e a luta pela subsistência.

Uma história em que se destacam, 
sobretudo, as diferenças sociais e o desprezo dos abastados por aqueles que vivem privados de quase tudo.



Ou em "Jogos de Azar":

"Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na espuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.

Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem."

(...)

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