Eu amo a rua. Esse
sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não
julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e
assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos
e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor
e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o
amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único
que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma,
tudo varia — o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais
dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os
acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez
maior, o amor da rua.
* João do
Rio, pseudónimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, (Rio
de Janeiro, 5 de Agosto de 1881 — 23 de Junho de 1921), jornalista, cronista,
tradutor, como jornalista contribuiu para mudar a forma de fazer jornalismo,
como repórter profissional constitui um novo tipo de jornalista, numa
actividade então considerada menor e secundária, feita por pessoas com tempo
livre disponível.
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