quarta-feira, 8 de agosto de 2012

mArgAridA


Preparava umas saladas estupendas e umas péssimas costeletas de carneiro.
Em termos visuais as costeletas eram irrepreensíveis, empratadas com distinção, de aspecto contraditório, entre o estaladiço e o suculento, no ponto!
Enfim, irrepreensíveis e intragáveis.
Todas as Quintas, sem excepção, apresentava-me costeletas de carneiro.
Eu atravessava a porta e um cheiro a louro e a alecrim que o meu nariz passou a detestar. Em casa proibi a utilização de louro e alecrim, aleguei dificuldades digestivas. Estranharam mas, fizeram-me a vontade.
Sei que ouviu dizer que era o meu prato preferido.
Não sei onde ouviu dizer, nunca foi o meu prato preferido.
Não sei se saberia dizer qual o meu prato preferido.
Gosto de bacalhau. Sim, também de sardinhas, nada de mais, sou português.
Quanto às costeletas de carneiro, comoveu-me o gesto, o seu cuidado, o gosto em fazer-me feliz.
Assim, disse-lhe que sim, que gosto muito de costeletas de carneiro, mais, que era capaz de comer costeletas de carneiro todos os dias.
O que eu fui fazer!
Estávamos no nosso oitavo ou nono “jantar”, e desde então, todas as quintas-feiras, durante vinte e dois anos jantámos costeletas de carneiro, sempre irrepreensíveis no aspecto, sempre intragáveis.
Não sendo ovelha ou grilo e incapaz de tocar em mais uma costeleta de carneiro que fosse, fingia que comia, passava o jantar a queijinhos de cabra e copos de whisky on the rocks.
Até que acabámos.
Eu acabei.
Não por causa das costeletas de carneiro mas por causa das costeletas de carneiro.
Duas úlceras gástricas que levaram o meu médico a proibir-me a bebida.
À segunda é de vez, sentenciou com modos de juiz.
Senti-a aliviada.
Senti-me aliviado.
Os amantes também envelhecem.
Os dois envelhecemos. As mãos com rugas e sinais. Os olhos.
Amantes que não amavam.
Eu chegava e não um beijo, apenas um sorriso, a mesa já posta, jantávamos, quase sempre em silêncio.
Ela já não contava das coisas da sua vida, do seu marido, dos filhos, do chefe no escritório.
Eu já lhe contava coisas da minha vida, da minha mulher, dos filhos, do chefe no escritório.
A previsibilidade da matemática.
A última novidade tinha quatro meses, eu ia ser avô.
Depois víamos um filme, repetíamos filmes, os dois gostávamos de cinema francês e italiano. Filmes quase sempre a preto e branco.
Quando no quarto, a televisão sempre ligada, outras vozes na casa, a Sophia, o Mastroianni, a Mónica Vitti, a Masina, a Deneuve, o Delon, a Isabelle Huppert.
O que eu gostava e gosto da Isabelle Huppert!
Fizemos tantos planos de viagens.
Paris, Nice, Roma, Veneza, Cannes.
Fizemos viagem nenhuma.



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