segunda-feira, 6 de agosto de 2012

1º Parágrafo: A Confissão da Leoa

Deus já foi mulher. Antes de se exilar para longe da sua criação e quando ainda não se chamava Nungu, o actual Senhor do Universo parecia-se com todas as mães deste mundo. Nesse outro tempo, falávamos a mesma língua dos mares, da terra e dos céus. O meu avô diz que esse reinado há muito que morreu. Mas resta, algures dentro de nós, memória dessa época longínqua. Sobrevivem ilusões e certezas que, na nossa aldeia que, na nossa aldeia de Kulumani, são passadas de geração em geração. Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está acabado. São as mulheres que, desde há milénios vão tecendo esse infinito véu. Quando os seus ventres se arredondam, uma porção de céu fica acrescentada. Ao inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar.


* Mia couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor, sendo actualmente biólogo e escritor.
* Foi galardoado com o Prémio Virgílio Ferreira em 1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas em 2007

Sem comentários:

Enviar um comentário