Deus já foi mulher. Antes de se exilar para longe da sua criação e quando
ainda não se chamava Nungu, o actual Senhor do Universo parecia-se com todas as
mães deste mundo. Nesse outro tempo, falávamos a mesma língua dos mares, da
terra e dos céus. O meu avô diz que esse reinado há muito que morreu. Mas
resta, algures dentro de nós, memória dessa época longínqua. Sobrevivem ilusões
e certezas que, na nossa aldeia que, na nossa aldeia de Kulumani, são passadas
de geração em geração. Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está
acabado. São as mulheres que, desde há milénios vão tecendo esse infinito véu.
Quando os seus ventres se arredondam, uma porção de céu fica acrescentada. Ao
inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar.
* Mia couto
nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor, sendo
actualmente biólogo e escritor.
* Foi galardoado
com o Prémio Virgílio Ferreira em 1999 e com o Prémio União Latina de
Literaturas Românicas em 2007
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