Passara por Lixboa há dezoito ou vinte anos a caminho de Angola e o que
recordava melhor eram as discussões dos pais na pensão do Conde Redondo onde
ficaram entre tinir de baldes e resmungos exasperados de mulher. Lembrava-se da
casa de banho colectiva, com um lavatório de torneiras barrocas imitando peixes
que vomitavam soluços de água parda pelas goelas abertas e da altura em que
topou com um senhor de idade, a sorrir na retrete de calças pelos joelhos. À
Noite, se abria a janela, via os restaurantes chineses iluminados, os glaciares
sonâmbulos dos estabelecimentos de electrodomésticos na penumbra, e cabeleiras
loiras no lancil dos passeios. De forma que urinava nos lençóis por medo de
encontrar o cavalheiro do sorriso atrás dos peixes oxidados que rebocavam
notários corredor adiante baloiçando a chave do quarto no mindinho. E acabava
por adormecer a sonhar com as ruas intermináveis de Coruche, os limoeiros
gémeos do quintal do prior e o avô cego, de olhos lisos de estátua, sentado num
banquito à porta da taberna, ao mesmo tempo que uma manada de ambulâncias
assobiava Gomes Freire fora na direcção do Hospital de São José.
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