quarta-feira, 18 de julho de 2012

1º Parágrafo: Absalão, Absalão!


Das duas horas soadas até quase ao pôr do sol daquela tarde quieta, longa tarde, quente e morna, penosa tarde em Setembro, ficaram eles sentados no que Miss Coldfield ainda chamava o escritório porque seu pai usara chamar-lhe assim – uma saleta abafada, quente e escura, onde há quarenta e três verões se corriam e serravam as tabuinhas porque, sendo ela menina, dissera alguém que a luz e a viração do ar trazem a calma de fora e a frescura sempre está onde houver obscuridade, a mesma (entretanto ardia o sol mais e mais sobre essa parte da casa) que se adufafa já de louras feridas com as muitas partículas de pó que o próprio Quentin julgou serem escamas de tinta revelha e seca, lascada, trazidas ali por improvável vento das tabuinhas de fora. Uma glicínia floria pela segunda vez nesse Verão, posta à janela nas ripas de uma latada, que os pardais visitavam em revoadas de acaso, e num bulício vigoroso e seco depois abandonavam: e, frente a Quentin, Miss Coldfield, de eterno luto como há quarenta e três anos o pusera, se por irmã ou pai ou marido que o não foi ninguém o sabe, sentava-se muito aprumada na simples cadeira de recto espaldar, cadeira tão alta que as suas pernas pendiam verticais e rígidas, como se fossem de ferro canelas e tornozelos, sem tocar o chão, nessa raiva impotente e estática dos pezinhos das crianças, e falava, numa voz soturna, alucinada, voz de assombro, até que desespera o esforço de escutá-la, o ouvido confuso mal percebendo as palavras, e o objecto da sua frustração impotente, sim, mas indomável, esse que há tanto tempo morrera, então ressurgia, como se pela ultrajada insistência dela fosse conjurado, sereno e manso, impassível, da poeira povoada, vitoriosa, eterna.




* Tradução de Maria Jorge de Freitas

1 comentário:

  1. Um belo livro do Faulkner, começa assim e depois, como sabem, não pára...
    Parabéns pelo Blog

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