sábado, 9 de junho de 2012

in Uma Mentira Mil Vezes Repetida


"Basta, aliás, perder algum tempo diante do televisor para que se torne claro que a celebridade é, hoje, um direito universalmente reconhecido a qualquer indivíduo disposto a abdicar da privacidade e do decoro. Mesmo o mais boçal dos cidadãos pode alcançar o seu momento de estrelato instantâneo, bastando-lhe tão só, que aceite expor-se ao ridículo ou partilhar com a audiência uma história, real ou inventada, que suscite simpatia, horror ou comiseração. O público é um animal voraz e está constantemente necessitado de novos ídolos e ícones, gente, enfim, na qual possa concentrar a inesgotável capacidade humana para amar, admirar e odiar.
Se não for liminarmente ignorado, como sucede na maior parte dos casos, um livro, real ou inventado, não serve senão para ser também admirado ou detestado e, com ele, o indivíduo que o tenha escrito. Perde-se tempo a lê-lo e, ao contrário com o que sucede com uma pintura ou uma escultura, não serve, sequer, para ser colocado numa parede ou no canto de uma casa, não tem qualquer serventia decorativa e o seu préstimo enquanto alimento da vaidade do proprietário é praticamente nulo.
Um livro é um puro exercício de vaidade de quem o escreve, um acto onanista e fútil. Salvo raras excepções, não cria nenhuma riqueza ou um emprego que seja, nem sequer do próprio escritor, que terá de marrar noutra actividade qualquer, a menos que se satisfaça em sobreviver como um vadio comum. Um livro também não deve entreter ou divertir, sob pena de ser banido pelo circunspecto concílio dos especialistas como algo superficial e pouco sério."

*Uma Mentira Mil Vezes Repetida é um livro de Manuel Jorge Marmelo, publicado pela Quetzal.


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