quarta-feira, 6 de junho de 2012

in A solidão dos números primos

“Os números primos apenas são divisíveis por um e pelo próprio número. Estão no lugar que lhes é próprio na infinita série dos números naturais, esmagados como todos entre dois, mas um passo mais além relativamente aos outros. São números desconfiados e solitários e, por isso, Mattia achava-os maravilhosos. Por vezes achava que tinham ido parar por engano àquela sequencia, que tinham ficado lá aprisionados como pequeninas pérolas num colar. Outras vezes, ao invés, desconfiava que também eles gostassem de ser como os demais, apenas uns números quaisquer, mas que por algum motivo não haviam sido capazes. O segundo pensamento surgia-lhe sobretudo à noite, no emaranhado caótico de imagens que antecede o sono, quando a mente está demasiado débil para mentir a si mesma.
Numa cadeira do primeiro ano Mattia estudara que entre os números primos há alguns que ainda são mais especiais. Os matemáticos chamam-lhes primos gémeos: são pares de números primos que estão próximos um do outro, aliás, quase próximos, pois entre eles existe sempre um número par que os impede de se tocarem realmente. Números como, por exemplo, 11 e 13,  17 e 19, 41 e 43. Tendo paciência para continuar a contá-los descobre-se que estes pares se vão tornando progressivamente mais raros. Descobrem-se números primos cada vez mais isolados, perdidos naquele espaço silencioso e cadenciado feito apenas de cifras e nota-se o pressentimento angustiante de que os pares encontrados até aí foram um facto acidental cujo verdadeiro destino é o de ficarem sozinhos. Depois, quando se está prestes a desistir, quando já não se tem vontade de contar mais, eis que se descobrem, abraçados, mais dois gémeos. Entre os matemáticos é convicção comum que por mais que se avance na contagem, existirão sempre mais dois ainda que ninguém saiba dizer onde, até serem descobertos.
Mattia achava que ele e Alice eram assim, dois primos gémeos sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente. A ela nunca lho dissera. Quando imaginava confessar-lhe estas coisas, a fina camada de suor sobre as suas mãos evaporava-se por completo e durante uns bons dez minutos não era capaz de tocar em nenhum objecto.”

  
Em "A Solidão dos Números Primos", "La Solitudine dei Numero Primi", encontramos duas histórias, como dois números primos gémeos, próximas, mas não o suficiente para se tocarem.
Mattia e Alice.
Conhecem-se desde crianças, desde sempre, no entanto é fechados sobre si próprios, dentro de uma mútua incapacidade de comunicação mas na perfeita percepção do outro, da dor do outro, que estabelecem entre si elos de ligação, elos intercalados por números pares, elos-outros pares, pelo que os dois sempre afastados, sempre isolados.
As marcas da infância sobre tudo o resto.
Os dois marcados por acontecimentos traumáticos, um acidente na neve, uma perna que ficou diferente, a coxa, depois a anorética, uma irmã deficiente, que por vergonha deixámos  à espera num jardim e que não encontramos depois no mesmo lugar.
Porque as coisas, as pessoas têm lugares.
Marcas que os deixaram, os fizeram, incapazes, deficientes nas relações com os outros e consigo próprios.


A impossibilidade, por definição, de ser feliz.
As tentativas falhadas. 

“O beijo durou, minutos inteiros, tempo suficiente para que a realidade encontrasse uma fresta entre as suas bocas aderentes e se enfiasse por aí adentro, obrigando ambos a analisar o que estavam a fazer.”





"É um filme de terror romântico que se concentra em sentimentos, na família, e na emancipação impossível do casal", refere o realizador Saveiro Costanzo, sobre o seu filme que adapta o best seller de Paolo Giodano.

A banda sonora é de Mike Patton, ex-vocalista dos Faith No More.


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