Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens
haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam
tido - sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente
para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens
escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie
de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a
multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso
nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade.
Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser
adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não
significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração
do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos
de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos
antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de
animais.
* Autor Bernardo Soares
* Bernardo Soares é considerado, pelo próprio Fernando Pessoa, um semi-heterónimo, porque, como explicou, "não sendo a personalidade minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade."
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