segunda-feira, 21 de maio de 2012

«O Falcão Peregrino» que li de Glenway Wescott

«A aristocracia não tinha nada a ver com aquilo. O culpado era eu; aquilo era o produto da vodka com natas. O álcool é o grande nivelador. Depois de uns copos, disse eu para mim mesmo, o genuíno descendente de príncipes gaba-se disso como se fosse mentira, o milionário sente-se pobre, e Tristão fala-nos de Isolda como um verdadeiro proxeneta. A minha malícia ia evoluindo com os desvarios do meu confrade.»

Este livro quase que toca na categoria de conto, mas eu preferia apelidá-lo como micro romance. Não vou esmiuçar todos os pormenores da fluída narrativa de Wescott: tão graciosa que reduz a história a uma tarde. Convido-vos a ler as palavras que a Filipa Araújo (responsável pela escolha da leitura conjunta) fez d' O Grande Falcão.

Prefiro explorar as sensações que me despertou a leitura. Primeiro, o facto da história ser contada em torno de uma Ave de Rapina. A certa altura imaginei que o Falcão era o agente infiltrado entre a conversa que se desenrolava entre os anfitriões e os convidados naquela casa. Arrisco-me a dizer, com alguma polémica característica de quem não faz crítica literária profissional, que o Falcão representa os olhos do escritor Glenway Wescott (mesmo que, na maioria do tempo, estivessem vendados). Quase como se o narrador fosse, de facto, o animal... Não o é, porque esse papel é deixado a Tower. Mas fiquei com a sensação que o Falcão estendia muito subtilmente a missão do verdadeiro narrador. Digamos que é um convidado extra que nos traz uma visão diferente da história. 

De certa forma, contrario um pouco a Filipa. Porque passo a considerar que existem 2 "eus" na história atribuídos ao escritor. Ambos serão, no meu ponto de vista, alter egos de Wescott. Uma óbvia personagem narrativa humana. Um subtil condimento na presença do Falcão. 


Penso que não será pacífica esta minha opinião. Mas surgiu-me com uma pergunta atirada ao ar: «Porque raio há um Falcão aqui?». Qual é a peça que o escritor pretende encaixar nesta teia de relações humanas complexas que vai explorando e dissecando? Dissecar! Aqui está uma palavra interessante para caracterizar a Ave... Como se ela fosse saboreando a sua presa ao sabor dos acontecimentos da história...

A dependência do Falcão ao seu tratador, o facto deste animal se deixar morrer quando fica velho (quase como uma morte por orgulho ferido), todo o processo de domesticação e treino de caça... No fundo são extraordinárias metáforas para comportamentos humanos que vão sendo escrupulosamente expostos por Glenway Wescott ao longo daquela tarde. 

No fim, fica a ideia que o Falcão Peregrino justifica todas as aventuras e desventuras do amor. Desde a liberdade à dependência, da juventude e da velhice, da capacidade de pesarmos afectos e emoções. Mas poderia falar de muitos mais sentimentos que me parecem extremamente bem camuflados nesta analogia presente entre a condição da natureza "peregrina" do Falcão e a vida dos Humanos.   

Daria certamente assunto para grande discussão, mas melhor mesmo é convidar-vos a ler esta história de contornos misteriosos, de segundas leituras e que nos obriga a parar para pensar numa óptica de "o que é que ele quer dizer com isto?". Um bom livro para nos pôr o cérebro e a imaginação a funcionar. 

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