"Era a voz
da mulher de Sabino, proprietária recente, da casa em que jazia David e os seus. Tinha por nome Aurora e dela,
nada mais se sabia que ter sido a mais velha de seis irmãos homens e a mãe de
três filhos rapazes. Nunca se tinha visto noutro sítio que não fosse nos
arrabaldes do tanque da roupa, ou agarrada à sertã gigante onde centenas de
chicharros se afogavam amiúde, em óleo quente, antes de desaparecerem pela boca
da numerosa prole, sempre insatisfeita e esfomeada.
Tinha a voz de um corvo afiado e, desde a primeira hora, David sentiu por ela uma aversão simpática. O corpo era magro, para adensar o mistério de tanta paridela. Corria os filhos a pau, sempre que chovia ou que as vozes deles se elevavam em protesto. Eles riam-se, já matulões e deixavam-se bater, com a displicência de quem está no campo e vê as moscas pousarem-lhe sobre a perna vestida.
- Ó
Fernando Manueeeell! – gritava ela enquanto a serradura caí no chão por varrer
da oficina, ao som daquela soprano sem futuro."
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