sexta-feira, 25 de maio de 2012

Daniel Faria - o poeta para descobrir

Daniel Faria, quis o destino, morreu muito novo em consequência de um acidente. A queda que o afastou de nós... a poesia que permaneceu.

"No Seminário e na Faculdade de Teologia criou gosto por entender a poesia e dialogar com a expressão contemporânea. Licenciou-se em Estudos Portugueses na faculdade de Letras da Universidade do Porto. Durante esse período (1994 - 1998) a opção monástica criava solidez. A partir de 1990, e durante vários anos, esteve ligado à paróquia de Santa Marinha de Fornos, Marco de Canaveses. Aí demonstrou o seu enorme potencial de sensibilidade criativa encenando, com poucos recursos, As Artimanhas de Scapan e o Auto da Barca do Inferno."

A Fundação Manuel Leão publicou a sua obra postumamente. Primeiro com "Dos Líquidos" e depois com "Explicação das Árvores e de Outros Animais". Nos anos que se seguiram, a Quasi recuperou "Dos Líquidos" e seguiram-se "Poesia - Daniel Faria" - uma compilação que reuniu as suas obras: 'Explicação das árvores e de outros animais'; 'Homens que são como lugares mal situados'; 'Dos líquidos'; 'Uma cidade com muralha'; 'Oxálida'; e 'A casa dos ceifeiros' - e "O livro do Joaquim" - um projecto inacabado e abandonado pelo autor. 

Infelizmente toda a obra do poeta está esgotada. Tenho pena que não haja alguém que a re-edite. De qualquer forma, seleccionei alguns dos seus poemas. Espero que gostem.

Explicação da Ausência

"Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual."

Quero a Fome de Calar-me

"Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança"

Estranho é o Sono que não te Devolve

"Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
De quem já só por dentro se ilumina
E surpreende
E por fora é
Apenas peso de ser tarde. Como é
Amargo não poder guardar-te
Em chão mais próximo do coração."

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