terça-feira, 1 de maio de 2012

Coimbra Revisited


 A viagem que nos trouxe a Coimbra mantém o contexto da procura dos cantos e recantos. Da agenda, dos cafés com livros, dos autores. Afigura-se um desafio. Em primeiro porque a responsabilidade é acrescida, vários foram os anos em que, quem daqui vos narra, por cá viveu e cresceu. Em segundo porque, por não ser da terra, a vivência Coimbrã correu pelo lado oposto às marcas de dado adquirido dos autóctones. Por ter mais do que sentimento e  emoção sobre este pentágono desenhado será difícil não cair na selecção dos meus cantos, seguramente descurando outros, esvoaçar pelo que me encanta a fundo, ou  entrelaçar-me em analepses. Por isto, por toda a ligação, permitam-me a veleidade de dedicar três textos a esta cidade, na certeza que muito ficará por dizer. Vários foram os momentos em que me queixei do desconhecimento generalizado sobre Coimbra. Sinto-me na premissa de transformar a queixa em contributo.



Parte Primeira:

Coimbra, não sendo a cidade berço foi o casulo de descanso eterno que D. Afonso Henriques escolheu. E ali está, no lado oposto ao seu filho, na bela Igreja de Santa Cruz, feita de pedra morena, outrora Mosteiro e, por isso, fora das portas da antiga cidade. Por definição um Mosteiro situa-se fora da traça original das muralharas de uma cidade, ao contrário de um Convento que estará sempre dentro da malha urbana. Por esta diferença é fácil perceber o desenho originário das urbes e é garantido espantarmo-nos com Coimbra. Fora do Arco da porta de Almedina,  estendia o Mosteiro a sua propriedade até ao Jardim da Sereia, Quinta de Santa Cruz de sua graça primeira. Um jardim que já foi bonito mas também perigoso. Hoje tem um pouco menos de encanto mas mais segurança na passagem. Fecha a Praça da República e abre-se ingreme para si, com a fonte da Sereia por postal. As sereias, essas criaturas míticas e desviantes da concentração marinheira, musas de canto hipnotizante, transformadas aqui, por interpretação poética, nas figuras de um tritão e de um golfinho, fazendo esquecer o nome original da fonte: A Fonte das Nogueiras. Três estátuas à entrada, a Fé, a Caridade e a Esperança. Há bancos de jardim, há infindo espaço para sentar no chão, para ler, para escrever, para fotografar. Do cimo acompanha-se, pelo olhar em frente, o frenesim da Praça da República até perder a noção de fim da Av. Sá da Bandeira. Pela esquerda da Avenida, como quem desce, apresenta-se o  Teatro Académico Gil Vicente seguido da Associação Académica de Coimbra. Continuamos até encontrar a estátua do Leão em homenagem a Luís Vaz de Camões.

O Leão de Camões é uma estátua erguida pelos estudantes desta cidade, em 1880, aquando do assinalar dos 300 anos volvidos sobre a morte de Luís Vaz. Inicialmente encontrava-se onde hoje é a Faculdade de Letras, outrora um jardim, toda uma parte que desapareceu no Estado Novo aquando da destruição da Alta. Não foi adaptada, requalificada, não. Foi destruída. Ali nasceram os edificios novos da Universidade, mas sem cuidado nem contexto. A estátua passou dali para a Rua do Arco da Traição, paredes meias com o Instituto Justiça e Paz. Da localização que hoje tem sabe-se que não será definitiva mas ignora-se a nova “casa”. Deste ponto da Avenida parto para a rua da Misericórdia onde me vou sentar na “ varanda” mínima da Torre de Anto. A casa do estudante António Nobre. Daqui sim, iniciar uma longa estória, do Choupal até à Lapa, dos Penedos à Saudade. Falar da Questão Coimbrã, de Eça, de Antero, de Feliciano de Castilho. Não esquecendo o Padre António Vieira que deixei para trás. Passarei pela casa de Fernando Namora, pela Sé velha de José Afonso, pelos recantos de Miguel Torga. Não me esquecerei de Almeida Garrett nem de Teófilo Braga. Trindade Coelho também caminhará comigo, ele e a Carolina Michaelis, João de Deus e Vergílio Ferreira. Até Camilo Castelo Branco. Em cada rua, em cada jardim. Dos Estudantes, da Liberdade, dos movimentos circulares. Dos grupos de teatro à música, Dos segredos aos enredos literários. De Carlos Paredes, porque não me perdoaria se não falasse nele. E da história da guitarra coimbrã e das suas belíssimas trovas. Dos poemas. De todos quantos conseguir.

Um apontamento sobre três espaços antes de marcar lugar para o fim da semana: O primeiro, Café Santa Cruz, antigo refeitório do Antigo Mosteiro, paredes meias com a Igreja. Palco, em tempos, de importantes decisões e tertúlias literárias. Hoje espaço de conversas de café, de fado de Coimbra, de exposições e livros. É um encanto aberto para a praça 8 de Maio. O segundo, a casa de Fados À Capella, criado numa antiga capela privada onde ocorrem eventos culturais e claro está, cordas dedilhadas em minúcia. O terceiro, no último andar de uma antiga capela na Rua da Sofia, hoje espaço comercial, um café cuja entrada se faz ao nível da rua, quase sem se dar conta da fachada do edifício, mas que mantém aquele recanto inviolado de nichos e pedra cheia de história. Em qualquer um destes espaços o canto de escrita eremita é perfeito. Coimbra é isto, é o eterno transformar e chamar a si, não se destrói, adequa-se. E ai de alguém que fale em profanação porque aqui a liberdade teve um custo mais alto do que se pensa, porque aqui a identidade sempre se chamou Coimbra. Quem a veio destruir quis cala-la, e ela respondeu com toda a força que tinha e, em vez de também destruir, adaptou. Ela, Coimbra, quando se liberta e grita alto, quando explode no Mondego, toma a figura de mulher guerreira. Coimbra não é uma cidade, Coimbra é identidade.

Até para a semana, com datas e eventos, com companheiros de crónica e com a agenda debaixo do braço.
*Foto: Jardim das Nogueiras ou da Sereia.

1 comentário:

  1. Muito Bom! Também não sou de cá mas moro cá...tenho os espaços enunciados como sendo dos meus preferidos...Surpreendeu-me a referencia à casa de Anto porque normalmente é esquecida assim como o autor António Nobre que lhe deu o nome...Aguardo os próximos, ansiosamente!*

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