quarta-feira, 9 de maio de 2012

Coimbra Revisited II

Parte Segunda:

Embrenhei-me na Torre de António Nobre, d´Anto como é conhecida, a recordar uma passagem, identificada por todos quantos visitam este “miradouro” para o Mondego: "essa paisagem religiosa, milagrosa, o Mondego sem água, os choupos, meus queridos corcundas, sem folhas e vergados pelos anos, pareceu-me que estava num mundo extinto, todo espiritual, onde só um homem vivia, que era o Anto encantado na sua Torre”. Descrição de Outono que, na presente data de calendário, nos confunde porque o misto entre Inverno e qualquer coisa de intermédio potencia uma mescla de tonalidades que nos faz perder a referência. As cores que premeiam a cidade manifestam-se em quatro estações num dia só.

Longe vai o tempo em que o Mondego era bazófias, a transbordar no Inverno, qual natureza potente, para quase desaparecer no Verão e continuar tímido no Outono. De momento está verde, é o que daqui parece. Ou talvez verde esteja Santa Clara, no outro lado da ponte, no caminho que se faz do Choupal até à Lapa. Não. A vontade de viajar no tempo é que é muita, de estar lá a presenciar um Feliciano de Castilho contorcido na Lapa dos Esteios a clamar Primaveras e a praguejar contra a Moderna Escola de Coimbra e a sua produção de poesia inatingível. Ortigão, Teófilo, a Sociedade do Raio, as Odes Modernas de Antero, Eça, as Conferências do Casino. Imaginar Castilho, introspectivo e cego, limitação que o marcava desde os seis anos, que dificilmente terá lido algo do que ditou para escrita, e cujo sentir exacerbado levava à renúncia de qualquer ideia provinda de caloiro atrevido. A sua reacção a todo este movimento moderno: "muito há que eu me pergunto a mim donde proviria esta enfermidade que hoje grassa por tantos espíritos, de que até alguns dos mais robustos adoecem, que faz com que a literatura e em particular a poesia ande marasmada, com fastio de morte à verdade e a simplicidade..." viu sair da cartola Bom Senso e Bom Gosto com a cara de Antero de Quental e o dedo apontado a si: "Levanto-me quando os cabelos brancos de V.Exa passam diante de mim. Mas o travesso o cérebro que está debaixo e as garridas e pequininas cousas que saem dele confesso não merecerem, nem admiração, nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto com a gravidade numa criança V.Exa precisa menos cinqüenta anos de idade, ou então mais cinqüenta de reflexão." E aqui viamos nascer a famosa Questão Coimbrã.


De repente, a austera imponência do edifico do Paço das Escolas, hoje Faculdade de Direito e Reitoria, transforma-se em cenário de filme e é inevitável imaginá-los todos, ali, antes de tudo isto, em diferentes gerações, a ter aulas, doutos discípulos a formarem-se numa percepção de vida que mais tarde iriam verter. O ultra-romantismo de uns, exagerado e cansativo e, como diria Antero, uma verdadeira Escola de Elogio Mútuo, contra a escola livre de um Realismo em apoteose. E pensa-los em Coimbra a vaguear por estas ruas, a escrever, a declamar, a fomentar veia poética, critica e política. Imaginar ainda, antes de tudo isto, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, o Romantismo na sua génese e, agora, acrescentar Guilherme Centazzi, o Estudante de Coimbra revelado recentemente como o pioneiro autor Romântico, esquecido no silêncio da História mas renascido pela mão de Pedro Almeida Vieira. Andando por estas pedras tudo isso se visualiza, ora a cores, ora a branco e preto. Percorrendo a  Alta Coimbrã descobrem-se recantos dignos de cenário inspirador, de correntes de pensamento, de intrigas e perseguições, de amigos e inimigos. É correr a rua das Matemáticas, escondermo-nos do mundo no Museu Machado de Castro, perdermo-nos por essas ruelas de espanto e de encanto e fechar a luz do Sol por uns instantes.



A verdade é que ainda não saí do refúgio de António Nobre. A verdade é que daqui protege-me os ombros a Alta de Coimbra, por cima deles consigo delinear a Universidade, o caminho para a Sé Velha e por aí me embrenhar. Visualizo, na imaginação, uma das casas de Vitorino Nemésio e as tertúlias que por ali se passaram, com os pés no Século XX. Chegada a imaginação à Sé, a casa de José Afonso e o café Sé Velha contam histórias de vampiros, e cantam Coimbra que para ser Coimbra três coisas há-de contar, Guitarras, tricanas lindas, Capas negras a adejar. Outro café que pede folhas soltas e lápis preparado para eventuais inspirações.



Agora sim, vou levantar-me e fazer um terno percurso a pé até à casa da Cultura, Biblioteca Municipal. Soube que a feira do Livro este ano vai fazer-se no Parque Verde do Mondego de 25 de Maio a 3 de Junho. Mas antes disso estão alguns lançamentos de livros em agenda a decorrer na Casa da Escrita. Vou recolher informação e sentar-me no Penedo da Saudade. A partir de lá viajar por outros cenários desta cidade e partilhar convosco.

Lamento, mas não saio de cá tão cedo. O pentágono tem cinco polígonos e nem chegamos ao terceiro.

Até breve!

Imagem da Torre de Anto


1 comentário:

  1. Muito bom! Espero que um dos próximos passeios, venha até ao lado de cá do rio (Santa Clara)...*

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