quinta-feira, 10 de maio de 2012

Arrumar a saudade: Hélder Reis em entrevista

Para mim, como para a maior parte dos portugueses, Hélder Reis começou por ser uma cara das manhãs da RTP, onde trabalha desde 2002.
Circunstâncias várias – como eu ter criticado a sua prestação na tevê na minha coluna de jornal, há uns anos, e ter então recebido dele uma carta simpática e humilde a agradecer-me a atenção dada ao seu trabalho e a oportunidade de tornar-se sempre melhor naquilo que ama fazer –fizeram-me querer saber mais sobre ele. Estaria a ser realmente humilde ou fora apenas ironia para não me desatar a insultar como chegaram a fazer outras figuras do pequeno ecrã?  

Hoje sei que ele é assim mesmo. Encontra sempre o lado positivo das coisas, inclusive das críticas, e usa-o para crescer e ser todos os dias uma pessoa melhor do que ontem. Recentemente publicou mais um livro, agora de poesia, intitulado “A Gestação da Chuva”. Teve a gentileza de mo enviar, como antes me enviara os infantis “ A Aldeia da Casa Magia” e “Uma Lágrima Chamada Sal”. 

Quis fazer-lhe umas perguntas. Ele quis responder-me. A entrevista que daqui resulta quero agora partilhá-la com todos os que nos acompanham aqui no blog. 



AA – Começo por te fazer uma pergunta com raízes no passado: como é a tua ‘relação’ com Sophia de Melo Breyner Andresen? Um ídolo poético? Uma referência? Uma paixão? Apenas uma escolha circunstancial para a tese da licenciatura de Teologia?
HR – Uma paixão. Sophia é/foi uma mulher de causas. Uma mulher atenta. Uma mulher de elevadíssima sensibilidade. Ensinou-me a magia do silêncio, do branco, das praias, do mar, da Grécia antiga e do Portugal de hoje. Esta paixão levou-me a querer perceber o modo como ela inseriu o sagrado na sua obra, e foi maravilhoso.

– Tens vários livros publicados, todos eles com uma grande carga solidária, como “Branco”, numa edição a tinta e em braille. Como vês a tua relação com a escrita e como é que ela surgiu na tua vida? Será que a encaras como uma experiência religiosa e/ou cívica?
A escrita é um exercício. Na técnica e na cidadania. Acredito que todos temos um papel educacional na sociedade. Procuro fazê-lo na televisão que faço e nos temas de livros que escrevo. Neste momento preparo uma obra sobre o pecado, que é um bom caminho para a santidade.

 – Queres falar-me um pouco da tua relação com Deus, na medida em que isso afecta ou influencia a tua relação com as artes?
Deus é tão difícil na minha vida que deixei o seminário por não O perceber para O explicar. Hoje a minha relação é mais serena. Mas difícil não significa desacreditar! Deus é a bondade que vou encontrando nas pessoas que conheço (há tanta gente anónima extraordinária). Deus é este sossego de quem faz boa obra e faz bem só por fazer, não para parecer e aparecer! A Igreja é profundamente estética, por isso é fácil perceber a dimensão espiritual nas coisas bonitas no mundo.

– Poesia. Escrita poética para os mais pequenos. Para quando a prosa e um grande romance?
Estou a trabalhar num livro de contos sobre o pecado. Vai ser provocante e irreverente. Até que ponto o pecado nos eleva?

– Manifestas um espírito algo renascentista: cantas [integra a banda Pólen, que actua amanhã, sexta-feira, pelas 22horas no Clube de Jazz Tribeca, no Porto], escreves, fazes jornalismo... É mesmo de ti ou passa por uma luta para encontrar também o teu espaço profissional nestes tempos que correm?
As duas coisas. Eu faço tudo o que gosto. Não brinco em serviço, e não faço nada para passar o tempo. Estudei muito para fazer TV, tenho aulas de canto há 15 anos. Escrevo todos os dias e faço muitas formações em escrita. Luto para fazer bem e me afirmar em tudo aquilo que gosto de fazer. Sinto que ainda estou longe, mas sei o que quero.

– Julgo saber que, depois de uma licenciatura em Teologia e outra em Jornalismo, estás agora a fazer um curso de guionismo e também que vais começar um novo programa na RTP Memória. Aliado a escrever poesia, liderar uma banda, e – já agora – a manter uma vida pessoal, sobra tempo para ler?
Sobra…não muito. Leio o jornal, leio poesia. Leio muito para preparar os meus directos, leio o que amigos vão escrevendo. Leio romance, biografias. Leio muitas coisas ao mesmo tempo… Na RTP faço tudo o que gosto, a reportagem é um modo muito nobre de fazer TV, é ir ter com a notícia, com as pessoas, com as histórias, isso é incrível e faz da RTP única e próxima! O novo programa na Memória, “Percursos”, tem os textos escritos por mim, o que é um grande desafio e altamente aliciante! Tempo…muito pouco. Realização…muita!


– O que lês? Preferências, descobertas, ‘desgostos’...
Gosto de romance e biografias. Mas sinto que a escrita por vezes tem falhas de ritmo, de surpresa, do inesperado. Também sinto que há autores que têm que escrever muito para dizer tão pouco. Por isso gosto tanto de poesia. Poucas palavras, muitas ideias.

– Tiveste oportunidade de ir à Feira do Livro de Lisboa? Estás a guardar-te para a do Porto? Se foste, o que compraste? Se ainda vais, qual a lista de desejos?
Era para ir apresentar o meu último livro de poesia, “A Gestação da Chuva”, mas não tive tempo. Tentarei ir ao Porto. Apetece-me Mia Couto e conhecer melhor a poesia da América do Sul.

– Como são as estantes lá de casa? O caos? A transbordar? Organizadas por títulos ou temas ou autores ou tudo ao molho e fé em Deus? Autores de eleição? Mais poesia do que prosa? Ainda os livros da adolescência?
O meu escritório é muito organizado, todo branco, limpo e arrumado, qb. Tenho a poesia numa estante, romances noutras, livros de religião noutra, etnografia, dicionários, fotografia. Enfim, é fácil encontrar um livro, mas não é ‘A’ organização, é organizadinho! Gosto de Sophia, Torga, Eugénio de Andrade, Fitzgerald, Daniel Faria, Luís Peixoto, Saramago, Pablo Neruda, Beckett, Valter Hugo, Ramos Rosa, Tolentino Mendonça, Haruki Murakami, Garcia Marquez... Mia Couto... e tantos e tantos...

– Gostava que me falasses um pouco deste livro mais recente, “A Gestação da Chuva”, que segundo explicas no teu blog, foi escrito metade antes e metade depois da recente morte do teu pai.
É uma arrumação da alma. Não sabemos nada da vida, somos ignorantes da morte. A morte dói. Muito. A nossa maturidade surge quando nos morrem os pais, agora somos nós e o futuro que fizermos. Este livro foi um exercício de lapidar o meu amor pelo meu pai. Está lá tudo, com a imagem do pintor Ruy Silva. A morte do meu pai, o processo de meses que a antecedeu, aproximou-me do meu Sr. Eduardo. É… A morte nem sempre separa! Faz meio ano, não é nada. A arte serve para isto: expressar. Depois da morte do meu pai digo muito mais: quero lá saber!

– De filha de um Eduardo que partiu para o filho de outro Eduardo que partiu, agora que a dor terá acalmado um pouco, só uma última pergunta: o que fazes com a saudade?
Alimento-a todos os dias.


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