domingo, 15 de abril de 2012

Notícias à Quinta: Portalegre, entre a Toada e o silêncio.


Serra de São Mamede. Está aquele frio que já não é suposto, mas todos sabemos que não é ele que vai longo, chegou tarde, apenas isso. Certo é que com os dias mais longos, estas ventanias geladas desenquadram-se, de tal forma, que o desejo pelo anoitecer é uma realidade. Quando já não há luz do dia tolera-se mais que o vento insista em bailar violentamente. A chegada a Portalegre já se sente e temos a tarde inteira pela frente.
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...

Assim se anuncia José Régio na Toada de Portalegre e o caminho faz-se, a pé, até ao Museu com o seu nome, partindo da Praça do Município. Como o passo permite, faz-se um ligeiro desvio para a Rua de Elvas para procurar o Convento de Santa Clara, no intuito de entrar na Biblioteca Municipal. Respirando o ar frio e contemplando o edifício, agradece-se tamanho postal. Vamos entrar
O pedido de informação é rápido e a resposta também. O que não vela da mesma rapidez é contrariar a vontade de ficar ali, de nos sentarmos nos claustros e escrevinhar alguma coisa. Treina-se a retina para ficar com o enunciado do regresso, somando aos enunciados anteriores, dos sítios já percorridos. Mais do que vê-los apetece vivê-los. Porém, já se sabe que a premissa é curta, tanto quanto a estadia. O verbo sorver é, nestas viagens, muito bem aplicado. Saio da Biblioteca com a agendade Abril de onde destaco uma exposição integrada nas comemorações sobre os 80 anos que assinalam a chegada de José Régio a Portalegre, com um magnífico trabalho bio-bliográfico sobre Francisco Bugalho e Cristóvão Pavia. O primeiro, o poeta da calma melancólica alentejana, grande amigo de Régio e a quem este terá dedicado a Toada de Portalegre, seu companheiro nas lides da Revista Presença. O segundo é o pseudónimo de António Bugalho, filho de Francisco. Dois poetas que merecem outras linhas e dedicação, mas fica a referência e, esperamos, o aguçar da curiosidade sobre eles. Acrescem duas informações que destacamos: a Hora do Conto deste mês, com a leitura do livro Flicts, de Ziraldo, livro que conta a história de uma cor que quer mudar o mundo. No dia 30 de Abril, no Castelo de Portalegre, pelas 18 horas, terá lugar a Conferencia JoséRégio, Algumas personagens femininas da História de Mulheres.
A caminho mais uma vez. Três minutos. Hesitação. A casa Museu. José Régio. A casa anexa ao antigo Convento de São Brás que começou por ser espaço de um quarto para o então professor de liceu. De divisão em divisão, Régio foi conquistando espaço à medida que a sua colecção pedia parede própria. Colecção essa vendida à câmara Municipal de Portalegre na condição de a casa ser tornada em Casa-Museu. E assim aconteceu, em 1971, dois anos após a sua morte. Casa esta que, permitam-me aveleidade, não descrevo. Posso dizer-vos que à entrada fiquei com uma das centenas de cópias do manuscrito da Toada de Portalegre. Que de divisão em divisão percebi o Deus e o Diabo. Que aquele quarto, tão pequeno e enorme ao mesmo tempo, ecoou uma Carta de Amor, que a sala dos cruxifixos é muito mais do que uma soma de braços em cruz. Que toquei num Ignoto Deo sem precisar de respirar, que as Asas de Ícaro fazem do Amore da Morte um Poema do Silêncio e de Sabedoria. E que outro rasgar que não o Cântico Negro para dali sair em silêncio? Ouve-me. Se é que ainda me podes tolerar.

Não posso, e não devo. Venham, sigam os passos, os cansaços, as imagens, os cheiros, as cruzes. E cantem para vós, para dentro. Gozem o silêncio. Coloquem a máscara sem expressão e dêem-lhe cor. Com a alma.


Até Évora.

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