quinta-feira, 15 de março de 2012

Uma Lezíria de Letras.

A viagem de hoje prolonga a estadia no encantamento do vale do Tejo. A viagem de hoje tropeça, mais do que em espaços onde os livros têm lugar, nos encantos. Naquela vivência escondida quando o tempo teima em ser maior do que o Homem e, por isso mesmo, torna-lo tão pequeno.

Escreveu Almeida Garrett As Viagens na Minha Terra naquele percurso que leva o Tejo de Lisboa a Santarém. Em pano de fundo a casa da Joaninha, o Vale. Da velha Sacallabis pouco se consegue visualizar. Nem tinha que ser de outra forma. Porém é este o primado daquela cidade, a vivência escondida. O facto, ou dado curioso, é que, a bem da verdade e da atenção, Santarém tem tudo para ser o recanto idílico dos amantes da escrita, o alto abissal da inspiração, a casa de reunião de gentes das letras, o poema perdido entre Pedro e Inês. Escorre nas paredes das muralhas da sua história o episódio de vingança, o arrancar impiedoso do coração daquele que levou Inês à Morte. As Portas do Sol, o jardim feito nas ruinas dessa mesma muralha, outrora castelo, de onde se avista um Tejo tímido, paredes meias com a casa das Alcaçovas e braços inteiros para quem por ali se senta e desenha, ou se esconde a escrever. Quem faz o caminho dali para o centro cruza-se com o que resta do Teatro Rosa Damasceno. No meio de disputas, aquelas que não se compreendem quando se pensa que o nome do espaço surgiu em reconhecimento, em vontade declarada de homenagear a figura que encantou ao passar em digressão por ali, teve o seu fim num incêndio. O silêncio ficou. A alma dos escalabitanos é apaixonada mas reprime-se. E a História assim o sustenta.

Continuando a deambulação a pé, mais minuto, menos minuto, encontra-se outro Teatro, o Sá da Bandeira. Este espaço, reconstruido e adaptado há meia dúzia de anos funciona hoje não só como palco de peças e concertos como também acolhe serões de leitura, lançamento de livros. Para além do café onde se sentam tanto leitores compulsivos, como meros visitantes, este espaço engloba, também, um designado piano Bar, ponto de encontros Tertulianos. Aliás, Santarém tem um roteiro anual de biblio-cafés organizado pela Biblioteca Municipal, onde durante duas semanas se pode requisitar ou sentar e ler. Normalmente coincide com as comemorações do dia Internacional do Livro, por isso Abril é momento de pensar na esplanada do El Galego no Jardim da República, no Tic-Tac na zona dos Jardins de Cima, ou no Monte Carlo na Av. Bernardo Santareno. E já que “tropeçamos” em Bernardo Santareno vamos caminhar por outro ponto da cidade.

Para além das tertúlias e cafés com livros, dos jardins e das bibliotecas, esta cidade tem uma riqueza impar no que concerne aos seus filhos. António Martinho do Rosário, conhecido para o mundo como Bernardo Santareno, aqui nasceu, aqui foi vivendo, aqui se inspirou. Mais se respira fundo quando, na travessia pedestre, se lê numa placa o nome de Manuel de Sousa Coutinho e se percebe “aqui viveu Frei Luís de Sousa”. Guilherme de Azevedo Chaves, homem da Geração de 70, percursor das Conferências  do Casino, escritor, jornalista, poeta. Autor de uma peça inquietante – Viagem à roda da Parvónia, também ele filho da terra. Mário Viegas, sim Mário Viegas, grande demais para tamanho silêncio, em tanto que este Ribatejo está presente nas suas criações. Ainda Veríssimo Serrão e a facilidade de imagina-lo abraçado à História de Portugal por acabar. Santarém não termina por aqui. E tem música. Esta seria atriz para outro roteiro.

Voltando ao centro há duas moradas difíceis de olvidar. A já mencionada Biblioteca Municipal, conhecida como biblioteca Brancamp Freire por estar instalada num palácio por este doado para o efeito. Nesta Biblioteca é frequente haver encontros com autores e conferências, mostras bibliográficas, tertúlias literárias. É aqui que se criam os projectos sobre biblio-cafés, baús da escrita, sessões de “ a hora do conto”, entre outras iniciativas que vão para a rua, para os jardins, para os monumentos, sempre com as letras em pano de fundo. A segunda morada é a casa de Pedro Álvares Cabral ou casa do Brasil. A casa onde viveu e morreu este Navegador está hoje transformada em centro cultural. Também aqui se lê, se pesquisa, se trocam livros. Também aqui são habitantes as tertúlias literárias.

Em Santarém quase que basta pensar e, logo, existe. Porém o vazio das ruas não permite que este seja o sentido, que este seja o sentimento. “ A alma dos escalabitanos é apaixonada mas reprime-se”. É uma alma de Flamingo que, sendo ave lindíssima, em poucos momentos voa. E se esta terra tem pelo que muito voar.

2 comentários:

  1. Parabéns, mais uma vez está fantástico. Óptimas sugestões de espaços,livros, eventos...Quando disse que ia fazer um post com algumas sugestões de lugares para ler não esperava que fizesse um trabalho tão completo...Parabéns!*

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  2. Obrigada, mais uma vez, pelo incentivo. Creio que nem eu antevia um mergulho tão fundo. O certo é que o entusiasmo quando se instala domina-nos! A viagem continua!*

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