quarta-feira, 21 de março de 2012

Tonino Guerra, o poeta que nos deixa no dia Internacional da Poesia

O italiano Tonino Guerra partiu hoje aos 92 anos. No dia em que se assinala o dia Internacional da Poesia, o blog recorda o poeta, dramaturgo, pintor e escultor. Mas, sobretudo, argumentista (de Antonioni e Fellini). Um homem da Arte e das artes...

A Assírio & Alvim publicou algumas das suas obras, como os dois livros de poesia «O mel» e «Histórias para uma Noite de Calmaria». Cá por casa mora «O Livro das Igrejas Abandonadas» da colecção Gato Maltês. A história conta-se assim, neste excerto:

«Debaixo do chão da igreja matriz do Rosário encontraram uns mortos que estavam sentados. Ainda tinham nos pés meias de cores variadas como se costumava fazer dantes com os restos das malhas desfeitas.

De um buraco dos alicerces saiu uma espécie de pedra que não era realmente uma pedra, mas parecia. Mais tarde viram que se tratava de um livro, talvez um caderno cosido à matroca no dorso com um cordel.

Um professor holandês, fartando-se de estudar, descobriu que se tratava do diário de um santo sepultado na igreja, mas tinham-lhe também roubado os ossos. Um ano depois, com lentes grossas que nem fundos de garrafas, o professor conseguiu ler qualquer coisa dentro da pedra. Em primeiro lugar estas palavras: "Mais solitário que Deus não há ninguém."»


Em jeito de homenagem, a editora Assírio & Alvim escolheu estas palavras de O Mel, que convosco partilho:

CANTO VIGÉSIMO OITAVO

"Tenho a impressão que a avareza
não é um defeito se acontece na velhice
quando o tédio já invadiu o cérebro.
A mim salvou-me aos setenta anos
quando uma tarde comecei a apagar as luzes
e meu irmão tropeçava por todo o lado.
Agora recolho os fósforos usados
(com algodão podem servir para limpar os ouvidos)
e de manhã à noite
tenho muito que fazer:
quero que meu irmão deite pouco açúcar
no leite e eu, guloso por mel,
lambo apenas uma colherzita ao domingo,
em pé, entre as duas portas do guarda-louça.
A toalha não é necessária, usámos um pedaço de papel
que depois serve também para acender o lume.
De noite se alguém se levanta
basta uma candeia enquanto o outro permanece no escuro.
Assim passa uma hora, passam duas, passa um mês
e a cabeça trabalha."

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