segunda-feira, 26 de março de 2012

Tabucchi: a ideia de sermos mortais ajuda muito a viver

Já não o usava quando, ontem, morreu em Lisboa, aos 68 anos – de eufemismo prolongado. Mas, para mim, Antonio Tabucchi terá sempre o bigode com que aprendi a conhecê-lo algures lá pelo Agosto de 1989, quando li “Nocturno Indiano”. Sei a data porque está escrito no interior do volume que estava sossegado ali na estante do meio, quem me dera não ter tido tão cedo razão para lhe ir mexer.

Talvez o italiano mais português que conheci – partilhava a nossa nacionalidade desde 2004 –, escritor, tradutor, apaixonado por Fernando Pessoa, eterno nomeado para o Nobel da Literatura, Tabucchi admitia sonhar muitas vezes na língua que é a nossa. E faz sensivelmente dois anos que, ao jornal i, diria algo que me ficou, muito antes da conotação política que hoje têm os bolos em questão: "Para escrever tem de haver uma urgência, um desejo. Tem de me apetecer escrever como me apetece comer uns pastéis de nata. Preciso daquilo, naquele momento." Faz sentido.

Não lhe quero escrever uma elegia nem cair no saco sem fundo das biografias. Só despedir-me simbolicamente do corpo que teve bigode e depois deixou de ter, que das palavras que deixa não me separarei nunca. Aliás, ele e eu partilhamos a perspectiva da morte de que dá conta numa entrevista ao Público ao falar do livro “Tristano Morre”.

“Quando se é mais novo, é uma ideia tão longínqua que normalmente pensamos que nunca morremos. É uma das maiores desgraças que pairam sobre o mundo moderno. As pessoas que estão no poder, sobretudo, devem pensar que nunca vão morrer. É por essa razão que são tão estúpidas. A modernidade elidiu a ideia da morte. É uma omissão incrível. Um dos factores mais negativos do comportamento da nossa sociedade. Deveria ensinar-se aos miúdos, na escola, da maneira mais natural, que temos de morrer. A ideia de sermos mortais ajuda muito a viver. “

Em breve será Abril e Tabucchi voltará a viver através de "O Tempo Envelhece Depressa", conjunto de contos sobre a passagem do tempo, passado e presente, a editar pela D. Quixote, que já anunciou também mais onze livros para os próximos três anos, entre novidades e reedições, as farturas que surgem depois do adeus. Antes disso, já no dia 2 de Abril, a partir das 10h30, a Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique, Lisboa, vai organizar uma maratona de leitura integral do “Requiem”, que será gravada para que possa ser acessível para os invisuais. Acho que Antonio, onde quer que esteja, e mesmo avesso como sempre foi a computadores e à internet, gosta disso.

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