domingo, 25 de março de 2012

Pelo Ribatejo, entre leituras e espantos!


Quando, há 3 semanas atrás, decidi estender os braços a identificar sítios, cantos e recantos onde se pode ler, escrever e beber inspiração, fi-lo na ideia prévia de desenhar um roteiro simples por algumas cidades onde sabia, de antemão, que a prática existe. Mal sabia eu que esta viagem ia sê-lo mesmo, no amplo sentido do termo, e que seria difícil escolher um ou outro local, uma ou outra cidade. A questão está no facto de este País ser verdadeiramente rico, na sua história, na sua vivência, na sua arte. Contorci-me no entusiasmo de perceber que a tarefa não seria assim tão simples e que não podia cingir-me ao que já conhecia. Tive, pois, que coordenar o tempo e o espaço e lançar-me, quase em imagem de aventura, por este rectângulo fora e procurar saber, olhar, ver e permitir-me voar no processo de encantamento. Esta rúbrica, pensada em não falhar a cada quinta-feira, apresenta-se esta semana uns dias depois. Tentarei que daqui para a frente a quinta se mantenha. Tentarei, o mais possível, não faltar, pelo menos, a nenhuma região. Hoje fecha-se aqui o Ribatejo, porém admito que incompleto. Que sirva este espaço semanal para abrir o apetite a viajar por aí, para beber leituras, para atiçar as mentes criativas aos cenários de delírio.


A viagem vai começar.


Saí de Santarém para Abrantes. Cidade especial que na última década e meia tem vindo a fazer jus ao espírito criativo, que sempre a caracterizou, mas que se manteve desconhecido para os demais. É sabido e reconhecido na cidade que a vinda da ESTA – Escola Superior de Técnologias de Abrantes, trouxe outra cor, outro movimento, outros hábitos e necessidades. E falando em hábitos, no que nos toca neste roteiro, é interessante perceber, a um dia de semana, o quanto a criatividade é explorada quando se encontram entes a divagar, desde os discentes de Comunicação e Video aos de Engenharia, na esplanada do Chave D´ouro. Seria comum a qualquer cidade, palco de ensino superior, encontrar os atarefados estudantes, em plena produção, nas mesas dos cafés. Neste caso, são os próprios docentes que criam estes momentos ao ar livre e fomentam as tertúlias nas áreas criativas. Na falta de um Campus, o centro da cidade veste o efeito e parece-me que, mesmo que este existisse, nada substituiria o deleite da construção colectiva no meio da vivência do dia-a-dia. Não muito longe deste largo, nada longe mesmo, diria que a metade de meio passo, paredes meias com a dita ESTA, fica a Biblioteca Municipal António Botto, no Antigo Convento de São Domingos. Esta biblioteca é qualquer coisa. Não só pelas fachadas do edificado como, e apesar delas, pelo mundo que se abre quando se passa a porta. São dois mundos que se fundem com os livros pelo meio ou, são os livros que fundem tamanha ideia de recuperação. Exagero? Talvez, mas as emoções dependem tanto dos nossos olhos como os pormenores da vontade de os encontrar. E ali, a “passagem” é perfeita. Esta biblioteca tem actividades mensais e actividades temáticas, chama a si os Abrantinos em vários formatos. Em exposições, em palestras, em encontros, em lançamento de livros. Em apresentação de autores. Na coincidência feliz de uma quinta-feira cheia, a António Botto recebeu Richard Zimler, o autor do Último Cabalista de Lisboa que escolheu esta cidade para morada de resguardo. Numa sessão dupla, tendo sido a primeira firmada para o público juvenil com a Ilha Teresa, a segunda foi aberta ao público em geral com Anagramas de Varsóvia. Livros a ser sublinhados num futuro próximo. A visita terminou, forçada, sem tempo para passar pelo cine-teatro São Pedro para perceber a agenda. Valeu-me ter visto no Chave D´ouro que o grupo de Teatro Palha de Abrantes continua em grande. Valsou a memória 3 anos para trás quando este grupo mergulhou em Raul Brandão e O Rei Imaginário. É trabalho que vale sempre a pena acompanhar. Mas faz-se tarde, a próxima paragem rápida é Tomar. Enquanto viajo aproveito para dizer que António Botto, um Abrantino, foi um magnífico e polémico poeta cuja obra mais conhecida, Canções, foi traduzida para Inglês pelo seu mui amigo Fernando Pessoa. Dos seus Sonetos ao O que ainda não se escreveu, acrescenta-se a marca de água de uma peça inquietante, Alfama.


Chegada a Tomar já pela noite, e com o sentido no grupo de teatro abrantino, a primeira vontade foi perceber o que anda a fazer um outro grupo, este tomarense, Os Fatias de Cá. Rapidamente percebi que andam em digressão com a Menina Inês Pereira. A última vez que assisti a uma peça, encenada por esta peculiar companhia, foi mesmo ali, em Tomar, no Convento de Cristo. Com todo o realismo possível e vestes da época a tentar descobrir O Nome da Rosa , qual Umberto Eco tão bem adaptado. Inevitável sorrir e pensar em mais uma cidade cheia de recantos e encantos. Para quem procura inspiração Tomar é um grito. Esplanadas e esplanadinhas com o  rio Nabão a brindar aqueles jardins que parecem saídos dos contos de Andersen. O caminho para o Convento de Cristo e a famosa Mata dos 7 montes. É impossível não cair na tentação das desmistificações templárias e correr aqueles caminhos de mãos estendidas à viagem que faz pausa na Charola. Como a noite já vai longa o recurso é mesmo a memória. E eis que me lembro de um autor que deixei em Abrantes. José Manuel Heleno, e o Atentado ao Pudor ou o Demónio de Sócrates, dois exemplares de uma obra mais vasta, em torno do ser filosófico ou da filosofia do ser. Tiraram-me horas de sono, mas em bom. De Tomar fica a essência do lugar, a vontade de voltar com tempo, com o tempo imergido do espaço, transformado em sala de leitura gigante, em atmosfera perfeita de sonho e inspiração. De perceber um pouco mais, ou mesmo tudo, de Jacomme Raton, de Vieira Guimarães ou de Carlos Campeão dos Santos. Tudo nomes para ir à procura, perguntar, indagar, memorizar. E ando há tempo para perceber o todo de um escritor prodígio, que tem 35 anos e uma estante repleta de livros da sua autoria. A sua graça, estória e obra ficam para outras núpcias. Não é difícil, pela descrição, chegar ao nome deste ser.


Torres Novas. O caminho faz-se de manhã ao encontro da Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes. É lá que recolho a agenda cultural. Aqui temos um elencar curioso. Posso dizer-vos que a oferta de iniciativas é bastante interessante! Há espaço para Bliblo-cinéfilos, música ao vivo a cada 4ª - quarta-feira de cada mês. Dia 29, por exemplo, haverá clube de leitura e, pasmem-se, com o titulo " discussão em torno de livros", feito na cafetaria da Biblioteca. Há também as Quintas à Escuta, abertas dos zero aos noventa e nove anos, onde o mote é a leitura em voz alta. Há ainda a Oficína do Conto, protagonizada por um "Chef das histórias". Há uma intenção declarada de criar hábitos de leitura e proporcionar as condições para o efeito. De salientar que esta biblioteca tem uma outra, a biblioteca braille. Esta é a cidade de Maria Lamas, escritora e jornalista, autora de vários contos infantis, mas também de romances e do célebre livro As Mulheres do meu País. Esta é a cidade que no ano passado acolheu o Bookcrossing "um clube de livros global que atravessa o tempo e o espaço. É um grupo de leitura que não conhece limites geográficos. Os seus membros gostam tanto de livros que não se importam de se separar deles, libertando-os, para que possam ser encontrados por outros. O objectivo do Bookcrossing é transformar o mundo inteiro numa biblioteca." O Tema foi o livro infantil. É com conforto que o tempo de espera, até à saída para outras paragens, é feito no Jardim das Rosas, bem perto da biblioteca, com o rio Almonda por companhia.



O "regresso a terra firme", esse, sorri à passagem mental por dois sítios, Vila Nova da Barquinha e Constância. O primeiro num apontamento muito rápido, o castelo de Almourol. Quem me dera ter o tempo do Mundo, a folha de papel guardada ao acaso e o lápis mal afiado. E sentar-me ali, naquela ilha no meio do rio, a voar por toda a paisagem, com toda a brisa e até com a chuva. Todos os amantes da escrita merecem um cosmos de inspiração como aquele. O segundo apontamento, a vila de Constância. A que chama a si a estadia vincada de um Camões, conhecida, e bem, como a Vila Poema, tem na casa dos Arcos a sua morada e no Zêzere toda a vontade que tudo isto não seja Lenda.

Pés ao caminho, para a próxima semana, em Terras da Beira.



Até lá!

*Castelo de Almourol

1 comentário:

  1. Estou a adorar este roteiro...quem me dera poder seguir estes passos todos. Cá por Coimbra também temos alguns professores que estimulam a criação ao ar livre... estou a frequentar uma cadeira na FLUC em que a professora o faz muitas vezes e tem previstas algumas sessões de escrita à vista em locais públicos...foi essa cadeira que me despertou para o assunto e que me levou a deixar a sugestão de registo de alguns locais para ler/escrever quando falou da Brasileira de Coimbra. Quando disse que pensava fazer esses apontamentos não esperava um roteiro completo e muito menos que fosse vê-la de mala feita por este país fora...Parabéns isto está fantástico. *

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