sexta-feira, 23 de março de 2012

O grito do livreiro

Hoje escrevo eu. Não tenho livro. Não sou escritor. A escrita não me paga. Sou livreiro. Criei e fiz nascer um blog. Sou anónimo para a maior parte das pessoas que me acompanha. Convidei colaboradores para me ajudar. Faço passar mensagens sobre livros. Publico poemas que encontro. Falo de autores. Falo de mundos mágicos. Tento despertar algumas emoções às pessoas. Faço por gosto. Porque sim. Tenho estilo próprio. Não espero que gostem / não gostem. Não vivo de julgamentos. Quem me julga é cá comigo. Aceito conselhos. Aceito quem vem por bem. Não aceito que interfiram com o que acredito. Não aceito que critiquem sem solução. Ajudo quem pede ajuda. Desprezo quem não aceita ser ajudado. Não me considero um ás. Não me considero um zero. Sei quais são os meus Dons. Não sei se os exploro todos. Juro que não sei se consigo explorá-los todos! Ou se me vão dar espaço para os explorar. Deitem as cartas. Convoquem a astróloga! Tenho telhados de vidro. Quem não tem, atire a primeira pedra. O céu não é o limite. É o início de algo muito mais belo e maravilhoso. Canso-me. Descanso-me. Consoante o estado de humor. Stresso. Rio-me do stress que ultrapasso. Deixo de stressar, passo para o desafio seguinte. Trato de arrumar livros. Atendo o telefone. Dou más notícias. "O seu livro está esgotado". Dou boas notícias. "Tenho o seu livro". Dou notícias de expectativa: "Não tenho, posso mandar vir". Troco livros. Por outros. Respondo a e-mails. Dou entrada de facturas de editoras. Devolvo livros às editoras. Sugiro livros que acredito que vão vender. Engano-me, por vezes. Falo com entusiasmo de um livro que me marcou. Conquisto a pessoa. Não conquisto a pessoa. Arrumo secções. Trato de destaques. Convido clientes a ter cartão de descontos. Convenço. Não convenço. Cobro em dinheiro. Cobro em multibanco. Em cheque. Em visa. Faço embrulhos. Faço laços. Limpo com o pano de pó. Abri uma livraria. Abri outra. Abri outra. Trabalhei noutra. E mais numa. Tive um. Tive dois. Tive três. Tive alguns chefes. Tenho colegas. Tive colegas. Tenho colegas que são amigos. Alguns colegas deixaram de ser colegas para passarem a amigos. Visito-os. Às vezes mais, às vezes menos. A saudade bate. Lembro-me das aventuras da primeira livraria. Da segunda. Da quinta... Continuo a tê-las.


Já tive más notícias. Algumas fizeram-me chorar. A maioria pôs-me a rir. Alguns clientes ficaram amigos. Seguem-me. Muitos e muitos... já não me lembro que atendi. Os importantes voltam sempre. Pelo que somos. Pelo amor que conseguimos transmitir. Porque somos uma boa equipa. Simpáticos. Unidos. Ou não voltam. Porque são livres. Uns comprometem-se. Outros não. Quem tem razão? Respeito a liberdade. Acima de tudo... A liberdade! Dessarumam... Eu arrumo. Ou não arrumo. Deixo para mais tarde. Conto uma história a uma criança. Conto uma história a um adulto. Leio para saber aconselhar. Se não sei, não falo. Se sei, não me calo. Ou doseio essa vontade. Porque, na verdade, apetece-me falar de livros o dia todo. Mas uma livraria não são só livros. Não é só conhecer. É carregar quantidades. É contar livros. É ter a certeza que estão na secção certa. É gerir egos e manias de pessoas. É satisfazer no atendimento. É trabalhar por turnos. Num shopping. Numa loja de rua. À semana. Ao fim-de-semana. No feriado. Na Consoada e na Páscoa. Quando calha. Profissão romântica. Que precisa de estofo. Que precisa de ser feita com gosto. Às vezes recebendo um abraço ou um sorriso. Às vezes recebendo desprezo ou indiferença.

Ser livreiro é... Tudo isto. Ou nem metade. Depende de como quisermos ser. Quem sou eu para o definir? Mais um? Menos um? Em bom Inglês: "Who cares?"

*ilustração de Pedro Vieira. Antigo livreiro. Actual escritor / ilustrador / apresentador de televisão.

2 comentários:

  1. bem-haja aos livreiros que assim são.
    abraço

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  2. Eu sou leitora.
    Se todos os livreiros com que me cruzo tivessem um quarto desta consciência do que é ser livreiro, comprava menos on line...Sou fascinada por livrarias e sonho um dia poder ter a minha, provavelmente um mau negócio, diriam muitos economistas, mas eu gosto de sonhar e quando o concretizar vou recordar-me, deste blog e do livreiro que o criou...*

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