quarta-feira, 7 de março de 2012

in As velas ardem até ao fim

Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso é também velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais do que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer...
Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes.
A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais envelhecido e decrépito que esteja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer.
E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente.
Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.
Porém, há ainda algo vivo no teu coração, uma recordação, algum objectivo de vida indefenido, gostarias de tornar a ver alguém, gostarias de dizer ou saber alguma coisa, e sabes bem que um dia chegará esse momento e então, de repente, já não será tão fatalmente importante saber e responder à verdade, como pensaste durante as décadas de espera.
Uma pessoa compreende o mundo, pouco a pouco, e depois morre.


1 comentário:

  1. É,na verdade, um retrato da velhice, que, sendo bastante realista, é, simultâneamente, deprimente; de facto,envelhecemos, definitivamente, quando desistimos de querer saber mais, de querer compreender...a morte, por velhice, acontece, quando já não temos forças, para carregar, pela enésima vez, o "sísifo" pedregulho, até ao alto, por termos desacreditado que a verdade final está lá em cima, tantas foram as desilusões anteriores.

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