segunda-feira, 12 de março de 2012

Estátua com alma de gente

Passo o olhar!
Rostos inexpressivos, saltimbancos do circo da vida, correm.
Tenho o Tempo, aquele que foge quando o queremos resgatar. Sinto-me espectador de uma peça de teatro, sentado naquele banco… único no meio da multidão. Tenho a coragem de pegar no relógio e pará-lo. Não há horários, não há agenda a cumprir, não há nada… rigorosamente nada, a não ser o meu desprendimento assumido de uma vida a correr. Sou dono do tempo, sou dono daquele momento. Sou um “voyeur" fascinado, quase excitado com esse estado de espiar a vida que corre à minha volta.
Acendo um cigarro… inspiro lentamente o fumo… expiro-o… contemplo a nuvem acinzentada que da minha boca sai… prazeres de alma que matam o corpo. Não me importo! Hoje quero mesmo esses prazeres e que se lixe o corpo…
Não resisto… lanço um olhar de macho à mulher que caminha languidamente com um vestido solto que, ao ritmo dos seus passos cadenciados, insinua um corpo apetecível. Passa por mim e deixa-me o rasto de perfume sofisticado misturado com o cheiro do meu cigarro. Apetecia-me dizer-lhe que a minha alma acaba de sentir o prazer de um momento, como o flash da minha Canon quando dispara. Fico pela vontade… fico pela intenção… mas não resisto… disparo, disparo… roubo num instante aquela mulher sensual e retenho-a na minha máquina… não lhe digo o meu prazer, mas fico com ela.
Ouço gargalhadas… viro a cara e vejo um grupo de jovens descomprometidos com a vida. Já fui assim também. O amanhã era apenas uma conjugação verbal, mas o presente… ah, o presente era consumido à velocidade dos sonhos. Nesse tempo, olhava o horizonte e via miragens que eram concretas, reais. Acreditava, tinha a coragem de um guerreiro e a força da lava que rompe o vulcão.
Retomo o olhar agora cansado, desencantado. Fixo-o no homem que, sentado num pedaço de cartão, toca viola. Os acordes são dolorosos como é dolorosa a sua vida. Espanta-me o sorriso rasgado que dá a quem passa. Oferece-o simplesmente, sem nada em troca. Fecho os olhos e, embalado pela melodia, sinto-me também vagabundo… quero pegar na mala do meus sonhos (sim, apesar de tudo, ainda tenho e são imensos) e embarcar sem rumo, sem destino. O que me importa é a viagem e não o destino. Quero parar onde os meus olhos se perdem e consumir o momento que vale a vida inteira. Quero consumir todos os sabores, quero absorver todos os cheiros e amar de todas as formas…
Abro lentamente os olhos…
Sinto-me inerte… estático… estou imóvel…
- Olha! É um homem estátua! – Oiço alguém dizer.
De repente, percebo a minha condição!
Sou uma estátua de rosto branco que, por breves minutos, viveu a condição de Homem!

Elsa Martins Esteves


"Estátua viva.Antero de Quental" - foto Alberto Correia

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