segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

a-ver-livros: De Poynter a Kipling, passando vagamente pela senhora que está na sala a ler com um gato aos pés

A casa aquecida, o gato por perto, um livro nas mãos, os antepassados na parede. Um serão ao melhor estilo de Sir Edward John Poynter, que assina este aconchegante "An Evening at Home", tela de 1888. Foi nela que parou o meu olhar esta noite.
Sir Edward John Poynter (1836–1919) foi um barão e pintor inglês que chegou mesmo a ser presidente da Royal Academy e director da National Gallery. Devido a uma saúde débil na juventude, costumava passar os invernos na ilha da Madeira. Devem ter-lhe feito bem, que o rapaz cresceu com garbo, casou-se com uma beldade famosa à época, que lhe daria três filhos, e só morreu já com 83 anos, num sábado de manhã.
Filho do arquitecto que desenhou o londrino hospital de St. Katherine, neto pelo lado materno do eminente escultor Thomas Banks, Sir Edward continuou toda a vida ligado a gente do mais alto gabarito. Até porque a mulher tinha três irmãs e Georgiana casou-se com outro artista reputado, Edward Burne-Jones; Louisa foi mãe de Stanley Baldwin, três vezes primeiro-ministro do Reino Unido; e a terceira, Alice, imagine-se, deu à luz o poeta e escritor Rudyard Kipling - que receberia um Nobel da Literatura em 1907!

Nada como ligações familiares deste calibre para justificar que junte a este quadro o poema que se segue. Do sobrinho Kipling, pois claro. Sim, o tal que disse
'A mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso uma mulher extremamente sábia para dominar um idiota.' Será que se referia à senhora que está na sala a ler com um gato aos pés?


"A FÊMEA DA ESPÉCIE

Se o camponês do Himalaia encontra um urso feroz,

ele grita para o monstro, de modo a baixar-lhe o facho;

mas a ursa fêmea, acossada, mostra as garras, mostra os dentes,

pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.


Quando Nag, a cobra, astuto, ouve passos descuidosos,

se arrasta às vezes, de lado, evitando algum empacho;

mas a sua companheira não se arreda do caminho,

pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.


Quando os Jesuítas pregaram para os Hurons e os Choctaws,

rezavam por não ser presas do feminino penacho,

que elas – e não os guerreiros – é que os faziam tremer,

pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.


O peito tímido do Homem explode sem dizer nada,

pois da Mulher por Deus dada não se dispõe com despacho,

mas a história do marido confirma a do caçador –

pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.


O Homem, urso em muitos casos, verme ou selvagem em outros,

propõe negociações e reconhece o contrato;

só muito raro é que torce a lógica da evidência

até a extrema conclusão, num imperdoável ato.


Medo ou tolice é que o impelem, antes de punir os maus,

a dar julgamento justo ao vilão mais irreflexo.

O júbilo aplaca-lhe a ira; dúvida e pena não raro

pasmam-no em muitas questões – para o escândalo do Sexo!


Mas a Mulher por Deus dada cada fibra de seu corpo

numa questão só aplica, de ânimo aceso em fogacho;

e por concluir a questão, prevendo falhas futuras,

a fêmea da espécie tem de ser mais mortal que o macho.


Quem Morte e tortura enfrenta pelos que tem junto ao seio,

não a detêm pena ou dúvida – não se curva a fato ou piada.

Isso é diversão para homens, de que a honra dela não pende;

Ela, a Outra Lei que nós temos, é aquela Lei e mais nada!


Ela não pode dar vida para além do que a engrandece,

como a Mãe do Infante ou como Companheira do seu Par;

e quando, faltando Infante e Homem, clama o seu direito

de femme (ou barão), é o mesmo o equipamento a empregar.


Com convicções é casada, pois faltam laços maiores;

suas rusgas são seus filhos, e ai de quem disso se esquece!

Não terá frios debates, mas pronta, desperta, instante,

a guerrear por esposo e filho, a fêmea da espécie.


Sem provocações e ameaças, a fêmea do urso assim briga;

e com a fala que envenena e rói, a cobra sem dó;

e vivisseção científica do nervo até que ele seque,

e de dor se estorça a vítima – como com o Jesuíta a squaw!


Assim é que o Homem, covarde, quando se ajunta em concílio

com seus bravos companheiros, para ela um lugar não rende

onde, em guerra com a Consciência e a Vida, levanta as mãos

a um Deus de abstrata justiça – que mulher alguma entende.


O Homem sabe! E sabe mais: que a Mulher que Deus lhe deu

deve ordenar sem impor-se, sem obrigá-lo ao agacho;

e Ela sabe, pois o avisa, e Seus instintos não falham,

que a fêmea da Sua espécie é mais mortal do que o macho!"



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