sábado, 21 de janeiro de 2012

"Uma" Trança Feiticeira


No início deste mês de Janeiro o Rodrigo Ferrão deixou aqui um texto alusivo à livraria Portuguesa em Macau. Macau é sempre um tema que me faz estremecer, é o palco da minha adolescência, de boa parte da vivência que me corre nas veias e, por isso, sempre que leio ou vejo menção à minha cidade emprestada, viajo no tempo, na memória, nos cheiros e no arrepio de humidade entranhada na pele. O mais natural aos olhos externos é a procura da identidade portuguesa, da marca lusitana no território. Há quem diga que a presença portuguesa é pouca, que já não há grande marca, que é pena ter-se perdido tanto. Eu digo e afirmo que nunca houve, que Macau tem uma entidade própria, que sempre teve e sempre terá. Tudo muda de mês a mês se for preciso, onde hoje é um jardim amanhã bem pode ser um edifício de 50 andares, o que hoje é uma lixeira amanhã transforma-se num jardim. Rapidamente. Macau é uma forma de estar mais do que uma cidade cheia de casinos. É um hábito de consciência mais do que de comparação. Não se materializa, vive-se. E tem, de facto, uma identidade própria, a identidade macaense, dos filhos da terra, também ela fora dos parâmetros normais do que é ser autóctone. O macaense não é aquele que nasce em Macau, esse é chinês de Macau, o português de Macau, o Inglês de Macau. O macaense é uma trova de confluência entre a Ásia e o ser Lusitano.

E como aqui falamos de livros deixo-vos a sugestão de leitura da escriva de um autor desaparecido há um ano. Henrique de Senna Fernandes, o macaense por excelência que escreveu e descreveu as suas gentes e que, felizmente, deixou para o mundo os sentidos dos tais jardins, ruas e ruelas, hoje hotéis, avenidas e aterros. Onde o traçado continua, mas acima disso, a identidade permanece. Trança Feiticeira é um dos seus livros, viaja entre a Macau cristã e a Macau chinesa dos anos 30, descreve costumes, estórias e história, à boa maneira de um Eça sem freio. Pelo pormenor, pela minucia da imagem.  O Oriente e o Ocidente juntam-se e apartam-se ao longo das páginas, entre o bairro de tchok-tchai-yun e o bairro de santo António. Trata-se de um livro que passou para a tela do cinema. Procurem, espantar-se-ão. Não me atrevo a descrever mais, nem a explorar o enredo. Procurem. Mesmo. O livro, o filme. Crónica, costumes. A eterna querela identitária.  Uma viagem… que só ali podia acontecer.




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