segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pequeno Léxico de Palavras Mal Entendidas: A Luz e a Obscuridade


"Para Sabina, viver significa ver. A visão encontra-se limitada por duas fronteiras: uma luz de tal modo intensa que nos cega e uma obscuridade total. Talvez seja daí que lhe vem a repugnância por todos os extremismos. Os extremos marcam a fronteira para lá da qual não há vida e, tanto em arte como em política, a paixão dos extremismos é um desejo de morte disfarçado.
Para Franz, a palavra luz não evoca a imagem de uma paisagem suavemente iluminada pelo sol, mas a fonte de luz enquanto tal: uma lâmpada, um projector. Vêm-lhe à cabeça as metáforas habituais: o sol da verdade, o brilho da razão, etc.
É atraído pela luz como também o é pela obscuridade. Nos dias que correm, quem apaga a luz para fazer amor arrisca-se a cair no ridículo; como ele tem consciência disso, deixa sempre uma luzinha acesa por cima da cama. No entanto, no momento em que penetra em Sabina, fecha os olhos. A volúpia que o invade exige a obscuridade. Uma obscuridade pura, absoluta, sem imagens nem visões, uma obscuridade sem fim, sem fronteiras, uma obscuridade que é o infinito que cada um de nós tem em si (sim, porque quem busca o infinito só tem de fechar os olhos!).
No momento em que sente a volúpia espalhar-se-lhe pelo corpo, Franz dissolve-se no infinito da sua obscuridade, ele próprio se transforma em infinito. Mas quanto mais um homem cresce na sua obscuridade interior, mais diminuído fica na sua aparência física. Um homem de olhos fechados não é senão um rebotalho de si próprio. Como não quer assistir a isso, Sabina também fecha os olhos. Para ela, a obscuridade não é o infinito. Fecha os olhos porque quer separar-se do que está a ver, porque quer negá-lo. Recusa-se a ver."

in A insustentável leveza do ser, Milan Kundera

porque há livros que são de releitura obrigatória.

3 comentários:

  1. O livro que me fez mergulhar entre a essência e existência, entre o pré-conceito e um dito verbo vivênciar, entre o fatalismo e a opção e a verdadeira causa das coisas simples. Obrigada Carla por este regresso à memória!

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  2. kitschhhhhhhhhhhhhhhhh, as in, shhhhhhhhhh, apaga a luz :)

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